Monday, 17 December 2012

Portugal e a Grécia: dialética da crise e do ajustamento

Desde que se tornou público que Portugal pertencia, tal como a Grécia e a Irlanda, ao conjunto de países em crise das dívidas soberanas, os nossos políticos, comentadores e jornalistas todos passaram a comentar regularmente a comparação entre o nosso caso e o dos gregos. Não vou  falar agora sobre o que levou à crise, de quem ou do quê é a culpa, deixo esse tópico para outra altura. Interessa-me desta vez observar apenas esta comparação que se tornou ubíqua na conversa sobre a crise em Portugal.
Começo pelo princípio, como ditam as regras. Faz sentido ou não fazer a comparação? Parece-me claro que sim. Somos países com problemas diferentes mas comparáveis e sob programas de empréstimo internacional que trazem políticas impostas dentro da mesma linha ideológica, se é que se pode chamar isso à dita "austeridade".
Depois pergunto-me, porque será que se mantém a comparação com a Grécia, e não se faz com a mesma frequência ou profundidade a comparação com a Irlanda, ou com outros países "intervencionados" anteriormente ou até mesmo com países cujas intervenções foram menores, ou diferentes, ou estão pendentes ou consideradas prováveis? Será que é porque a nossa situação é mais semelhante à da Grécia? Não deve ser, se estão constantemente a dizer que estamos longe da Grécia, que somos diferentes da Grécia, que vamos divergir da Grécia, que a Europa nos distingue da Grécia, que os senhores mercados (pois de a chanceler também é senhora, porque não serão os mercados tratados com o mesmo cuidado?) têm mais confiança em nós que na Grécia. E se assim é, não faria todo o sentido falar também do quão diferentes somos da Irlanda, da Islândia, da Espanha, da Itália, do Brasil, da Argentina, do Equador?
Há aqui uma qualquer coisa estranha que não está bem explicada. Afinal será que nós somos mesmo é tão parecidos com a Grécia que não podem deixar de nos comparar com ela? Será que nos estão a mentir? Os políticos, os troikanos, os europeus, os mercados (se bem que nunca ouvi nenhum a falar, mas que se fala deles, isso fala), estarão todos eles a convencer-nos que estamos a fugir da situação dos gregos, quando afinal se estão a agarrar às ligeiras diferenças entre os nossos casos para nos convencer que tudo podia ser pior? Que temos que estar contentes com a forma como o nosso "ajustamento" está a decorrer? Que temos que evitar comparar-nos com a Grécia há anos atrás, para não repararmos que afinal a maior diferença entre nós é os anos que passaram primeiro por eles?
Mas falta ainda abordar a mais importante questão aqui, aquela que motivou a elaboração deste texto. Quem é a Grécia? O que é a Grécia? Como está a Grécia? Como vivem - ou sobrevivem - os gregos? É que de tanto nos compararem com a Grécia, é muito pouca a informação que temos sobre o país e as pessoas que lá estão. Ouvimos falar de algumas manifestações, por vezes "violentas" (tão violentas como as medidas que lhes são impostas?) sabemos, ou achamos que sabemos, que por vezes não cumprem o que lhes é exigido pela troika deles, dizem-nos que eram um país muito corrupto (ainda mais que nós!) e por fim ainda descobrimos que vão ter mais tempo para pagar a dívida a essa mesma troika, mas que isso é muito mau sinal porque os senhores mercados vão ficar chateados com eles muito mais tempo do que connosco. Saber isto, presumindo a veracidade das fontes, o que já é ir longe, está perigosamente próximo de saber nada. Sem comparações profundas, elaboradas, cuidadas, com a complexidade que exige a diferença entre dois países e duas situações como os nossos, a referência constante à Grécia não passa de mais uma forma de fingir que nos dizem muito, sem nos dizer nada, tentando transmitir uma tranquilidade sem raízes no conhecimento da realidade.

A Grécia, hoje em dia em Portugal, não é um país, não é um grupo são pessoas, não é sequer uma fonte de dados ou de aprendizagem. A Grécia é uma cortina de fumo, com que nos cobrem o caminho que percorremos, as opções de desvio e o resultado final. E nós, tal como carros a subir o alto de espinho no IP4, numa noite de inverno por entre chuva e nevoeiro, vamos confiando nas luzes que aparecem à frente e no pouco que vemos das guias brancas na estrada, deixando-nos andar a 50 km/h com deslizes por causa do gelo, à espera de chegar ao topo da montanha em vez do fundo do vale. 

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