Saturday, 29 December 2012

Life of Pi by Ang Lee

Aqui está um filme difícil de comentar, até porque saí do cinema com uma mistura de sensações e pensamentos ambulantes. A Vida de Pi é baseado no romance de Yann Martel que costumava ser considerado impossível de converter para filme. Nunca o li, mas este filme está longe de estar mal feito e só posso esperar que tenha feito justiça ao livro, até porque agora tenho intenção de o ler.

Começo por fazer uma sinopse, por um lado porque é mesmo difícil de falar deste filme sem referências directas ao enredo ou a cenas específicas e por outro porque preciso de organizar as ideias. Se ainda não leram o livro ou viram o filme, atenção aos avisos (SPOILERS).
Inicialmente temos um escritor que acaba de desistir da última história que estava a trabalhar e que é aconselhado pelo tio de Pi a procura-lo e ouvir a sua história, uma que o fará acreditar em deus. Ele assim faz, e, embora o avise de que não sabe se o resultado de ouvir a história será esse, faz o seu relato. Começa pelo encontro dos seus pais, a sua infância na Índia, educação, descoberta de várias religiões e fé em todas, a relação dos pais com este facto e com a religião em si (o pai é racional e contra crenças que não passem esse crivo, a mãe tem uma necessidade emocional de se manter ligada à sua religião). Eventualmente chegamos ao momento em que Pi explica o que levou a família a decidir livrar-se do seu zoo e mudar-se para o Canadá. O pai arranja transporte num navio japonês que entretanto naufraga no Pacífico durante uma enorme tempestade. A partir deste momento conhecemos uma história absolutamente inacreditável, com alguns momentos de aparente puro delírio, em que um rapaz sobrevive num bote salva-vidas acompanhado de uma zebra, um orangotango  uma hiena e um tigre chamado Richard Parker (que antes havíamos visto, no momento em que o pai de Pi lhe tentou mostrar a diferença entre os animais e as pessoas no sentido de o preparar para a vida). Bem, a maior parte do tempo só Pi e o tigre, dado a hiena matar a zebra e o orangotango e ser depois morta pelo tigre. No seu momento de maior desespero, Pi dá à costa numa ilha com um interminável número de suricatas e descobre que ela é carnívora e que o consumirá se ele se deixar ficar. É assim que ganha a força (e recursos) para continuar a viagem que eventualmente o leva à costa do México, onde ele vê o tigre desaparecer sem sequer olhar para trás ou qualquer esboço de despedida. (SPOILERS MUITO REVELADORES) Quando dois japoneses o visitam no hospital para lhe perguntar detalhes do naufrágio (claro, para a seguradora) ele conta-lhes toda esta história. Eles, claro, não acreditam e pedem-lhe uma história credível, que possam levar aos seus patrões sem serem ridicularizados. Pedem-lhe, claro, a verdade. Ele responde-lhes com outra história (quem me dera que ainda menos credível) de como ficou perdido no mar num bote com um marinheiro, o cozinheiro e a mãe, como o cozinheiro matou o marinheiro e a mãe de Pi, e de como o próprio acabou por matar o cozinheiro. Eles calam-se, não lhe perguntam mais nada e só mais tarde descobrimos que eles escolheram relatar a história com os animais e referindo-se a Pi com grande admiração e espanto pela sua capacidade de sobrevivência durante mais de 200 dias. (FIM DAS REVELAÇÕES PREOCUPANTES)

Visualmente, este é um trabalho fenomenal, tanto a nível de fotografia como de CGI, e o 3D está bem conseguido, por vezes quase passa despercebido (o que é bom) e noutras de facto adiciona algo à experiência, como é o caso de algumas cenas no oceano.
Suraj Sharma foi muito bom como Pi, principalmente quando foi o único humano em cena. O Pi está de tal forma realista que dificilmente se nota o autor por detrás da personagem, algo que esta história definitivamente precisa. O Pi mais velho e o escritor foram também bem interpretados e aproveito para fazer uma referência aos momentos em que somos trazidos do naufrágio para a conversa dos dois e que, embora pudessem prejudicar a imersão na história, acabam por ajudar à sua progressão e à transmissão daquela sensação de estar a ouvir uma história contada.

Tenho apenas dois grandes problemas com A Vida de Pi mas, infelizmente, problemas que tiveram um impacto considerável na minha impressão geral do filme. O primeiro é a introdução. Geralmente gosto de introduções, explicações, contexto, mas os momentos em que nos dão esta informação têm que ser ou muito interessantes por si só ou aparecer depois de eu já ter alguma empatia ou curiosidade sobre a personagem. Infelizmente, neste caso, a informação foi fornecida em bloco antes de chegar à parte interessante da história e tornou-se um interminável aborrecimento. Se tivesse sido misturada com o resto da história ou pelo menos consideravelmente diminuída  eu teria chegado à parte do naufrágio muito mais preparado para a aproveitar. Assim, mesmo depois do filme acabar, eu continuava frustrado com aquele início entediante. O segundo problema deve-se à quantidade de referências a deus(es). É em parte compreensível porque a fé e religião é uma parte muito importante de quem Pi é e em especial daquela infância, mas num filme em que supostamente o estamos a ouvir contar a própria história, era realmente necessário parar para mostrar todos os momentos em que falou com deus, berrou para deus, perguntou a deus, desesperou com deus? Foram momentos forçados, por vezes absurdos e desnecessários. É preferível deixar-me interpretar a história por mim, e isso não é só o que eu prefiro mas também aquilo que a personagem, o Pi, parece querer quando começa a conta-la. Por outro lado, discordo com quem critica o filme pela ter uma mensagem paternalista que tente forçar a crença em religiões ou deus(es). Com excepção da crítica que referi, esta é uma história deixada à interpretação de cada um e não teve nem impacto nas minhas próprias crenças (ou ausência delas) nem aparente propósito de o fazer. É também por este motivo que estou interessado em ler o livro. Esta é, claro, uma história muito metafórica, cuja referência à fé apesar do determinado por cada religião constitui apenas a ponta do icebergue. Há o paralelo entre as pessoas e os animais (essencialmente através de Pi/Richard Parker), as questões da esperança, desespero e a ilha carnívora (que, considerando que Pi era vegetariano, se tornou um momento inteligente e eficaz), ato-confiança e auto-conhecimento, tradição, respeito pela vida, razão vs fé, etc.. Tudo isto se reflecte na luta de Pi contra si mesmo, com aquilo em que se vê tornar, com o que precisa de se tornar para sobreviver, com o que esta situação o obriga a fazer, como lhe parece ter que mudar aquilo que considerava sagrado, que acreditava em si mesmo, no mundo ou em deus. É este o grande propósito da história que o tio de Pi considerava que seria fascinante para o escritor e é talvez por isso que o filme (e provavelmente o livro) é amado por tanta gente. O próprio Pi é uma metáfora, um meio para transmitir estas mensagens, algo que é simultaneamente útil e claramente pretendido, como também problemático por dificultar a ligação emocional e empatia com a personagem e as suas acções (por vezes ele parecia-me pateta, mas outros poderão ver nisso somente a sua confusão mental). A ideia final parece ser algo do tipo: sê positivo, optimista, quanto àquilo que não percebes na vida, quanto ao futuro, quanto ao sentido das coisas. Se, para alguém, isto significa acreditar em deus, então está claramente no mesmo barco da personagem e provavelmente de Yann Martel e Ang Lee, mas Pi parece dizer que vive como vive simplesmente porque prefere a história do bote com os animais do que a outra. Se eu concordo? Não, de todo, e este filme parece até fazer mais pelo meu pessimismo  que por outra coisa qualquer, até porque eu prefiro estar preparado para o que corre mal do que viver num paraíso presumido e depois levar uma chapada da realidade. Mas o filme é bom a fazer-me pensar sobre isto sem me espetar uma resposta à pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo o mais na cara? Sim. E eu ainda acredito que a resposta é 42.
Fiquei a pensar se estarei eu próprio aberto a mudanças e adaptações do nível das que foram impostas a Pi para a sua sobrevivência. Desde que deixei de ser Piscine Molitor Patel, sempre fui mais Richard Parker do que Pi, e duvido que alguma vez venha a ter mais de Pi na minha personalidade. Mas, de facto, quem sabe se um dia não vou ter que sobreviver num bote salva-vidas e lá descobrir um ser vivo qualquer com o qual tenho ao mesmo tempo de contender e aprender?

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Here is a film that is really hard to talk about for me, because it left me with mixed feelings and wandering thoughts. Life of Pi is based on the homonymous novel by Yann Martel and was once considered impossible to be well converted into film. I have never read the book, but this is no bad film and I can only hope it made justice to the novel, for one, because the author was involved in the adaptation and two, because I now intend to read it.

It's almost impossible to say anything about this before or without talking about plot and ending - if for nothing else, to help me put some ideas in order - so I advise, "here be dragons" (SPOILERS).
Here we have a writer who has just given up on his latest novel and trashed it and is now looking for a new story. He finds a man - Pi's uncle - who tell's him that he knows one person who has an astonishing story that will make him believe in god. So the writer finds Pi Patel and asks him to tell him the story. Pi says he doesn't know if it will change his beliefs, but agrees. He starts with his mother and father meeting, his childhood in India, his education, his discovery of multiple religions and his belief in all of them, his parents' relationship with religion (father all for rationality and abandoning belief, mother with an emotional motive to never abandon it). Eventually we get to the moment where he explains that they decided to move to Canada. They get a Japanese ship to carry them and their zoo animals across the sea, but in the middle of a huge storm it sank in the pacific ocean. From here on we are told an almost unbelievable story, with moments of apparent delirium, of how a boy survived on a boat with a zebra, an orang-outang, a hyena and a tiger named Richard Parker (which we had seen before, when his dad taught him a lesson about how animals are different from people in order to prepare him for the real world). Well, most of it with only the tiger, seeing as the hyena kills the others and is then killed by the tiger. On the moment of his greatest despair, when he is about to give up and let himself die (well, on the third time he seems to feel this) he gets to an island with never-ending meerkat and understands that it is carnivore, that it would consume him if he stayed there. So this gives him the strength (and supplies) to carry on the journey, which ends up on the Mexican shore, where he finally sees the tiger disappear without any form of goodbye. (MAJOR SPOILERS AHEAD) When two Japanese men come to ask him about the shipwreck (obviously, because of insurance) he tells them this story. They don't believe him and so ask for a credible one, one they can take to their bosses without being laughed at. The truth, they say and ask. So he tells them a story of how he got on a boat with a sailor, a cook and his mother, how the cook killed the sailor and then his mother and how he then killed him. They ask him no more. We finally are shown that in the end, the insurance men chose to report only the story with the animals and spoke highly of Pi and his amazing survival in the see for over 200 days. (NO MORE MAJOR SPOILERS)

Visually, this is an amazing work, both in photography and CGI, and the 3D is well done, almost seamless at times and adding to the experience in the oceanic scenes.
Suraj Sharma was really good and even more so when he was the only human "on stage". Pi feels and acts so real we hardly feel the actor behind him, and that is precisely what such a story needs. The older Pi and the writer were also well played and I must say that the intermissions when we go back from the shipwreck to their conversation actually add to the feel and pacing instead of becoming blunt interruptions.

I have only two problems with Life of Pi, but, sadly, problems that had an impact on my general feeling towards the film. The first one is the huge introduction. I usually like introductions, explanations, context, but the moments when we are given such information have to be either very interesting by themselves or come after I already care somewhat for the character it refers to or its general subject. In this case, the background information is given en bloc before we get to the good stuff, making me feel quite bored. Had it been mixed with the rest of the story or reduced, I might have gotten to the shipwreck part much more excited and ready to enjoy it. As it is, I got out of the cinema still frustrated at how long and boring it had been and how unnecessary this was. The second problem is the amount of references to god(s). I understand it was a huge part of his childhood and of who Pi is, but in a film where we are supposedly hearing a story told by the man himself, did we really need all those moments where he talks to god, yells in despair to god, asks god why, etc.? They felt forced, out of place, absurdly unneeded. Let me interpret the story on my own, that's not only what I prefer, but also what Pi himself seemed to want when he started talking. On the other hand, I must disagree with people who criticize the film for its patronizing message and attempt to force belief down the viewer's throat. Apart from the previous point, this story can be freely interpreted, had no impact on my beliefs nor did it ever seem to be purposely built for that. And for that reason I am even more interested in reading the novel. This is, of course, a very metaphoric tale, with the reference to belief in spite of religion being only the tip of the iceberg. There is the parallel between people and animals (mostly through Pi/Richard Parker), the motifs of hope, despair and the carnivorous island (which, considering Pi was a vegetarian, is a very smart and effective moment), self-confidence and self-knowledge, tradition, respect for life, reason vs belief, etc.. All of these are reflected in Pi's fight with himself, with what he sees himself becoming, what he needs to become in order to survive, what the shipwreck is making him do, how he seems to have to change what he believes, what he held as sacred, what he thinks of himself , of the world, of the divine. This is the major purpose of the "story" that Pi's uncle thought would be mesmerizing for the author and the reason why this film (and probably the novel) is loved by so many. Pi himself is a metaphor, a conduct for all these messages to be shown, and that is both useful and the whole point of it and also a problem because it becomes harder to the viewer to feel empathy and connect to the character and some of his actions (sometimes I felt he was being outright foolish, others might just think he is confused and still adapting to the situation). The final idea does seems to be something close to: be positive about what you don't understand about life, the future, and the purpose of all things. If, for you, this means believing in god, then you're right there with the character and probably Martel and Lee themselves, but Pi does seem to say that he lives like he does because he prefers the story of the lifeboat with animals than the other one. Do I agree with it? Not at all. The film might actually do more for the pessimism in me than anything else, because I'd rather feel prepared than live in a made up bliss and then get smacked in the face by life happening. But is it good at making me think about it without pressing some answer to life, the universe and everything to my face? Yes. I'm still siding with 42 as the real answer.
I'm left thinking if I am open to change, such as Pi had to be in order to survive. I've been more Richard Parker than Pi ever since I stopped being Piscine Molitor Patel, and I doubt I'll ever have more of Pi in my own personality. But really, who knows if I'll ever have to escape on a lifeboat and find some kind of being there with me to contend or learn with?

1 comment:

  1. I saw the movie first and the book is well worth reading even after seeing the movie! The book covers more info.

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