O Diário de Notícias está a publicar, entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2013, uma colecção de 31 contosde autores portugueses em formato ebook. Os contos são de aparente tema livre, independentes uns dos outros e vão desde histórias supostamente baseadas em factos reais a pura ficção especulativa, desde drama a comédia ou suspense. Estão disponíveis na biblioteca digital do DN, à qual podem aceder
aqui. Decidi ler toda a colecção dado conhecer pouco do trabalho dos autores portugueses contemporâneos e poder assim, em formato de conto relativamente rápido de ler, contactar com a escrita de vários. A colecção não se limita no entanto a escritores estabelecidos, incluindo igualmente histórias de outras personalidades do país. Este é o primeiro de vários posts a comentar os vários contos publicados.
O primeiro conto é de Pedro Paixão e foi para mim um mau começo. A Musa Irrequieta é um drama emocional romântico muito exagerado e com demasiado palavreado para a história que conta. Trata da relação entre um professor e uma aluna a que ele se refere como sua musa e por quem fica literalmente perdido de amores. O homem torna-se uma personagem insuportável na forma como se descontrola em relação aos seus sentimentos e de como fica obcecado pela rapariga. O conto acaba por ser uma enumeração dos seus pensamentos sobre ela. O final, apesar de triste e algo cliché, poderia ser a melhor parte, mais realista, mas uma referência à possível relação com factos reais deu-me a sensação de me quererem forçar reacções emocionais. Pode ter sido só impressão, mas piorou a minha opinião final.
Segue-se Cidade Líquida de João Tordo, este sim um conto bem escrito, que rapidamente coloca o leitor numa incerteza absoluta em relação ao que é real ou imaginado. Senti-me a ver a história através de uma mente cujos delírios são como que metáforas para o que lhe acontece e em especial para a separação ou ausência da esposa. Há personagens e situações cuja verdadeira essência (real ou delírio) ainda não consegui destrinçar (e acho que nem quero!). Entretanto o autor estabelece um certo paralelismo com o que ocorre no filme Cidade Líquida do realizador Roque dos Santos, ele próprio personagem, que o narrador vai descrevendo e que aponta para a confusão mental, a variedade de perspectivas sobre uma mesma história e ainda a ideia de esquecimento e recalcamento. Um conto intrigante que explora a mente humana e que quero sem dúvida reler. Fiquei não só curioso em relação ao outro conto em que estas personagens aparecem mas também com vontade de ler algo mais e noutro formato da sua autoria.
Um Romance é um conto sobre um jantar "romântico" que o narrador observa da mesa ao lado e que serve de esqueleto - ou desculpa - para Rui Zink gozar com uma série de preconceitos e outras tolices da sociedade contemporânea. O narrador fala directamente para o leitor, o que ajuda para este tipo de mensagem e pode até conferir-lhe o pretendido tom humorístico. Infelizmente, a meu ver, o conto não resultou tão bem como poderia. Há uma tentativa de fazer o leitor repensar ideias pré-concebidas, com comentários sobre a inexistência dos telemóveis ou o hábito de ir ao teatro nos anos 80, algo muito engraçado não me parecesse desajustado do público alvo desta colecção (quem é que vai ler isto e não sabe ou pensa neste tipo de coisas?). A crítica, trazida aqui pela exposição do que é esperado do homem e da mulher num encontro e também pela forma como o Artur acaba por resolver a situação, resulta bem neste tipo de história. O conto é prejudicado principalmente pelo exagero de comentários, de piadas, de "bocas", que chegam ao ponto de fazer o leitor sentir que o autor o acha estúpido. Alguma subtileza ou pelo menos contenção no tom e quantidade destes reparos e acusações teria tornado o texto mais engraçado e a leitura agradável e, quiçá, provocado mais eficazmente as mentes a quem se dirigem.
O quarto conto desta colecção é Mania de Luísa Costa Gomes, autora de quem nunca li qualquer trabalho. Não consegui bem perceber o que a autora pretendeu criar com esta história, mas o resultado final foi um conto de mistério, cujo potencial suspense foi destruído pela absoluta confusão criada pela personagem e pela escrita. O enredo decorre de forma pouco linear, desconexa, o que poderia funcionar neste tipo de história, não estivesse aliado a uma personagem com completa dissonância entre o que é, o que diz e o que faz. Sáurio, em quem se centra a história, não sofre tanto de mania (indicada pelo título), como de má conceptualização por parte da autora. Um escritor que decide aproveitar-se de um telefonema enganado para ir ao mundo real procurar matéria prima para a escrita, Sáurio acaba por passar o conto a fazer o que diz não querer fazer, sem que isso faça sentido, que não seja para a progressão do enredo. Tira conclusões sobre as pessoas que mal conhece baseadas em dados nunca disponibilizados para o leitor, tem suspeições e toma decisões pouco ou nada explicadas e ainda consegue intercalar vários momentos com pensamentos sobre a morte, caídos "do céu", sem que nunca tenham conclusão ou ligação ao conto. Estes parecem-me apenas aforismos de suposta profundidade existencial sem ancoragem no enredo. Há no entanto bons exemplos de momentos de descrição, em especial enquanto a personagem caminha ou observa a rua.
Talvez o objectivo fosse criar páginas de puro nonsense à volta de um escritor que, na senda por inspiração, se coloca numa situação arriscada e à volta da qual, por não a conhecer totalmente, vive de certa forma uma ficção dentro da ficção. Se era essa a intenção, só posso dizer que não resultou.
O pior conto até agora, Um rio chamado Angústia de Eduardo Madeira consiste na exploração da história do rio e dos povos e pessoas que com ele se relacionam, em busca da razão do seu nome. A escrita lembra um guião de stand-up comedy, cheio de nomes de países e pessoas que pretendem ser engraçados e cujas histórias vão sendo enumeradas sem grande sentido. Terminei a leitura sem me rir com o nonsense e sem me interessar pelo Angústia.
Continua num próximo post!
O pior conto até agora, Um rio chamado Angústia de Eduardo Madeira consiste na exploração da história do rio e dos povos e pessoas que com ele se relacionam, em busca da razão do seu nome. A escrita lembra um guião de stand-up comedy, cheio de nomes de países e pessoas que pretendem ser engraçados e cujas histórias vão sendo enumeradas sem grande sentido. Terminei a leitura sem me rir com o nonsense e sem me interessar pelo Angústia.
Continua num próximo post!
Li os dois primeiros contos da coleção e tenho opiniões parecidas, apesar de aparentemente ter gostado um bocadinho menos do conto do João Tordo. Ainda assim, cumpriu o objetivo, que foi suscitar-me curiosidade para ler outras coisas dele.
ReplyDeleteA minha opinião sobre o Cidade Líquida do João Tordo melhorou após segunda leitura, acho que entrei melhor no estilo e na história. Quanto aos outros, também li duas vezes o primeiro e o terceiro, mas como se vê não fiquei muito satisfeito. Só li uma vez o Mania e o Um rio chamado Angústia, mas não vou repetir.
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