Monday, 31 December 2012

2012: retrospectiva

Terminado 2012, decidi olhar para trás e pensar em destaques deste último ano para partilhar aqui. De acordo com o conteúdo do blog, e de acordo com a forma como passei este ano, há vários pontos que quero tocar.

Top / Favorito / Melhores do ano?

É difícil e talvez injusto escolher um só favorito ou sequer uma ordem de preferência em relação ao que li/vi/ouvi este ano, pelo que prefiro simplesmente referir alguns. Não falo do que foi lançado ou estreado este ano, não estou actualizado ao ponto de poder fazê-lo correctamente, falo daquilo que conheci e gostei em 2012.

Livros

Este ano não foi fenomenal a nível de romances e embora tenha lido bastante, não houve muitos que me tivessem enchido as medidas e rebentado a escala, por assim dizer. Habitualmente uma grande parte das minhas leituras insere-se no género fantástico, mas deste ano tenho pouco a destacar dentro da fantasia. Por outro lado, tenho muito mais a dizer a nível de ficção científica, ainda que nenhum destes sejam, a meu ver, geniais ou de leitura obrigatória:
 - Hunger Games de Suzanne Collins: Aqui está uma trilogia interessante, sobre um mundo distópico em que as pessoas são controladas pela divisão, controlo da comunicação, terror de guerras passadas e um espectáculo que segura tudo isto baseado claramente no Battle Royale. O conceito pode não ser novidade para muitos, mas a distopia e a reacção dos indivíduos e da sociedade aos vários acontecimentos está muito bem pensada e tanto a escrita como o enredo vão melhorando, sendo a parte final do terceiro livro - Mockingjay - o meu momento favorito. Falei do filme baseado no primeiro livro e da trilogia aqui.
 - The Difference Engine de William Gibson e Bruce Sterling: Peguei neste livro por ser um referido clássico de Steampunk e fiquei fã dos autores. Se a história é interessante e o desenvolvimento do enredo me conseguiu agarrar, o que me surpreendeu foi a investigação e cuidado com a escrita que esta colaboração exigiu. O contexto histórico, o discurso e comportamento das personagens colocaram-me no séc. XIX como nunca antes senti. É um livro de leitura difícil, pelo que o aconselho somente a quem estiver motivado a conhecer as origens do steampunk e que não se incomode com enredos pouco claros e finais indefinidos. Participei no episódio dos Diarios Steampunk em que se discutiu este livro, vejam aqui.
 - Scanner Darkly de Philip K. Dick: Foi o meu primeiro contacto com este autor e devo dizer que já quero ler muitos mais trabalhos dele. Se este livro não é perfeito, com alguns momentos de demasiada confusão, há um traço de genialidade de PKD que se vê claramente. Esta obra é excelente na sua exploração dos efeitos do consumo de substâncias psico-activas, criando um ponto de vista que resulta surpreendentemente bem. Para quem se interessa pela temática ou para fãs do autor, absolutamente recomendado, embora, tal como disse para o livro acima, é bom estar preparado para alguma confusão à medida que o enredo se enrola e desenrola.
Quanto a clássicos, há dois que finalmente li e tenho que destacar aqui:
 - Dracula de Bram Stoker: Acho que dizer o nome basta para a maioria das pessoas (quem é que não conhece o Dracula nos dias de hoje?), mas queria mesmo recomendar a leitura. É um óptimo thriller e o facto de estar escrito em formato de epistolário não só contribui para o suspense como torna a leitura muito mais interessante.
 - Household Stories by the Brothers Grimm: Já todos conhecemos muitas das histórias aqui incluídas, mas se não lermos a versão dos irmãos Grimm ou outra colecção clássica então na verdade não sabemos nada sobre elas. Estas histórias são aterrorizantes, por vezes absolutamente macabras, cheias de homicídios horríveis e com poucos finais felizes. São muito mais adequadas à educação de pequenos seres humanos para a vida real do que as tretas animadas que lhes damos na sociedade contemporânea, com princesas bonitas, príncipes corajosos e danças alegres no final (embora estes também tenham o seu papel, sonhar é bom!). Não é um livro genial, mas é sem dúvida uma leitura interessante, esclarecedora, e boa o suficiente para eu planear reler, desta feita na colecção organizada em 2012 por Philip Pullman.
Outro livro que não posso deixar de referir numa retrospectiva é Beyond Good and Evil de Nietzsche. Uma leitura que foi difícil, demorada, mas recompensadora como poucas. Falei, e muito, sobre esta obra filosófica aqui.
Quanto a outros géneros literários, seja por não ter lido ou por não ter gostado, não tenho livros a destacar. Quanto a autores portugueses, uma falha enorme na minha cultura literária, tanto quanto aos clássicos como aos autores contemporâneos, comecei este ano a conhecer alguns através dos Contos Digitais DN. É uma experiência ambígua, dado que gostei bastante de uns mas detestei outros. Por outro lado, ajuda bastante bem a definir quais os autores em quem vale a pena apostar e comprar romances. Para já, planeio ler João Tordo, Afonso Cruz e Gonçalo M. Tavares. Vou escrever sobre todos os contos numa série de posts que já iniciei aqui.

Por outro lado, quanto à banda-desenhada, 2012 foi um ano muito bom, li várias coisas surpreendentemente (e por vezes nada surpreendentemente) boas:
 - Journey into Mystery por Kieron Gillen: segui está série fascículo a fascículo e fiquei fascinado pela capacidade do autor de escrever uma história nova, refrescante, interessante tanto para novos leitores como para veteranos, sobre uma personagem tão conhecida como o Loki, evitando com mestria o efeito terrível que os vários eventos que atravessaram todo o universo da Marvel poderiam ter no desenrolar da sua história. Fiquei fã e em 2013 vou seguir o autor para o Iron-Man e o Young Avengers. Fora do universo Marvel, planeio ler o Phonogram.
 - Fables por Bill Willingham e Mark Buckingham: O universo que Willingham criou coloca todas as personagens das fábulas e histórias infantis em fuga do seu mundo para o nosso, onde se escondem bem e criam uma sociedade própria. O conceito é interessante, o enredo prende logo de início e o melhor de tudo é, sem dúvida, o desenvolvimento das personagens. Tenho lido as colecções em trade paper back e, apesar de alguns números menos bons, gostei de todos até ao oitavo e pretendo continuar a leitura em 2013.
 - Locke and Key por Joe Hill e Gabriel Rodriguez: Esta série tem sido muito falada por todo o lado na internet como uma das melhores BD da actualidade. Tenho que concordar. O conceito é uma casa cheia de chaves que ninguém sabe bem onde estão, cada uma com um efeito mágico diferente e imprevisível quando utilizadas na fechadura correspondente (e não falo só de portas). Isto permite criar uma história fantástica, por vezes assustadora, com personagens interessantes que se desenvolvem aos poucos ao longo dos vários volumes e com as quais consegui empatizar e preocupar-me. Um outro ponto positivo é a ilustração. Joe Hill e Gabriel Rodriguez conseguiram criar momentos em que os desenhos praticamente contam a história sozinhos, e tenho que me segurar para não passar à frente os balões na primeira leitura e seguir só a história desenhada. Uma maravilha.
 - Saga por Brian K. Vaughan e Fiona Staples: Já conhecia B.K. Vaughan do pouco que li de Y: The Last Man e ele continua a não desiludir. Saga é uma mistura de fantasia e ficção científica, com viagens no espaço, magia e uma realeza robótica, mas que segue uma família improvável que tenta fugir do conflito. Gostei muito do primeiro volume, que colecciona os primeiros seis números, e vou continuar a comprar em 2013. Comentário detalhado aqui.
 - S.H.I.E.L.D.: Architects of Tomorrow por Jonathan Hickman e Dustin Weaver: Já era fã de Jonathan Hickman e o seu Nightly News é dos meus livros favoritos, daqueles que recomendo a qualquer pessoa que pondere ler BD. Neste trabalho, explora o conceito das sociedades secretas que controlam o mundo através da S.H.I.E.L.D., a agência de segurança e espionagem mais importante do planeta Terra, como se ela estivesse presente na nossa história desde sempre, liderada por personalidades como Leonardo Da Vinci, Isaac Newton, Imhotep and Galileo, que sentiram a necessidade de unir as mentes mais brilhantes e corajosas nos momentos em que o mundo estava em perigo de acabar, seja pela vinda de Galactus, dos Celestiais, etc.. Mas este livro é, mais do que uma exploração especulativa do papel destas figuras históricas como heróis, um olhar para dentro da sociedade secreta, do quanto quer controlar, de até que ponto alguns estão dispostos a ir para manter esse controlo e liderar o mundo à sua maneira. Provavelmente, junto com Earth X, a melhor BD da Marvel que já li.


Música

Se fosse obrigado a escolher o momento musical do ano, teria que ser o concerto dos Coldplay no Porto. A banda esteve muito bem ao vivo, interagiu com o público, cantou musicas novas e lembrou alguns dos êxitos anteriores, apareceu num palco secundário no meio do estádio durante o concerto e até teve uns balões insuflados algures pelo meio das plateias. O pormenor que o distingue de outros concertos é, no entanto, a distribuição das pulseiras luminosas que acompanhavam o ritmo de algumas músicas com as suas luzes coloridas, fazendo o público sentir-se parte do espectáculo como nunca antes vi.

Quanto à música que ouvi ao longo do ano e queira recomendar, tenho que começar por falar de Halleluja de Leonard Cohen. Esta é, sem dúvida, a música que mais vezes ouço voluntariamente e desconheço outra que me consiga transmitir tanto mesmo depois da repetição. E não só a ouço cantada pelo próprio, no video disponível no youtube do seu concerto em Londres, como também algumas covers como a do Jeff Buckley, a do Rufus Wainright ou a da K.D. Lang. Procurem, vale a pena.
Também quero fazer referência a outros três artistas internacionais que gostei particularmente de ouvir nos últimos tempos, Peter GabrielJohn Grant (as Strongroom Sessions no youtube são uma maravilha) e Adele. Quanto a esta última, é de destacar o Skyfall, não só por ser tema do filme homónimo do 007 mas porque é provavelmente a melhor música dela, quando muito a par com o Set Fire to the Rain. Estou a ouvi-la agora mesmo, enquanto escrevo este post.
Quanto a artistas portugueses, vou também referir três. Primeiro falar dos Dead Combo, uma boa surpresa descoberta no episódio de No Reservations em que Anthony Bourdain visitou Lisboa. Se ainda não o fizeram, ouçam o álbum. Depois falar do Filipe Pinto. O vencedor do Ídolos finalmente voltou de Londres com um álbum - Cerne - e, muito embora a sua forma de cantar seja algo monótona, as letras das músicas, julgo que praticamente todas da sua autoria, são interessantes e originais considerando o habitual no nosso país. Ainda gosto de ouvir Insónia no rádio. Por último, a grande surpresa nacional foi, para mim, o regresso de Tiago Bettencourt com o seu álbum Acústico, do qual nem destaco músicas, porque sabe bem ouvi-lo como um todo.


Filmes

Cloud Atlas
A meu ver, foi o filme do ano. Não li o livro e parti para o filme com alguma incerteza, que ainda se manteve no início do filme. Mas se Cloud Atlas demora um pouco a mostrar as suas armas, quando o faz convence completamente, tendo-me deixado quase estupefacto. Passei vários dias a pensar no filme, que traz muita food for thought e entretanto escrevi uma opinião claramente insuficiente que publiquei aqui.

Black Swan
Finalmente vi este filme e só me arrependeria de não o ter feito mais cedo se não achasse que o vi precisamente com o mindset certo e o aproveitei ao máximo. Black Swan é uma maravilha do cinema, merece toda a fama e crítica positiva que obteve e mais. Também escrevi uma opinião sobre o filme aqui.

Não posso deixar de mencionar outros três filmes que por vários motivos diferentes também marcaram 2012:
 - The Hunger Games, por ser uma óptima adaptação de um livro e porque é um filme extremamente eficaz, que nos faz rapidamente preocupar com as personagens, odiar aquele mundo e os seus representantes máximos e nos deixa a pensar como somos todos peças de xadrez na mão dos poderes políticos e económicos e a que ponto eles estão dispostos a sacrificar peões. (Aconselho novamente a leitura da trilogia da Suzanne Collins, sobre a qual escrevi aqui)
 - Skyfall, porque estava à espera de uma pura treta que só interessasse por ser 007 e levei uma bela chapada na cara de Sam Mendes que conseguiu um filme surpreendentemente bom - provavelmente dos melhores dentro do universo 007 - e ao mesmo tempo uma bela saída e quase tributo a Judy Dench.
 - The Hobbit: An Unexpected Journey, porque adorei regressar à Terra Média, ao universo de Tolkien e à companhia de Gandalf. Pode ter sido algo arrastado e preferia que se tivessem planeado dois em vez de três filmes, mas vale a pena ver, vou decerto ver o próximo assim que estrear, e continuo a querer ir à Nova Zelândia e a querer encontrar o Ian Mckellen para lhe agradecer por ser dos melhores actores da actualidade e por conseguir criar aquele Gandalf (e o Magneto!). Comentário aqui.

Outras boas surpresas deste ano foram dois dos filmes do universo Marvel. Amazing Spider-Man tem dois pontos positivos que ficaram na minha memória: é absurdamente melhor que a trilogia anterior - que no final se tornou dolorosa de ver - e Andrew Garfield e Emma Stone estiveram muito bem. Apesar de não ser um fã por aí além do herói, quero mais deste Spider-Man de Andrew Garfield e Marc Webb. O outro filme surpreendente foi The Avengers, que Joss Whedon realizou ao ponto de o tornar dos melhores filmes de super-heróis de sempre e rebentar com as minhas sempre baixas expectativas em relação a este tipo de filme. Conseguiu torna-lo memorável de tal forma que já se diz que será o fenómeno correspondente ao Star Wars / Alien desta geração e que, em conjunto com The Dark Knight, vai colocar os filmes de super-heróis em alta como Lord of the Rings e Harry Potter fizeram com a fantasia.

Termino com as minhas grandes desilusões deste ano. The Dark Knight Rises foi provavelmente a minha grande tristeza ao nível do cinema em 2012. Depois de The Dark Knight - a meu ver talvez o melhor filme do seu género, a par com X-Men: First Class, mas mais que isso, uma obra que tem valor muito para além do tema do super-herói e do vilão - o terceiro e último filme do Batman de Christopher Nolan voltou ao básico, com demasiada tolice e cliché para valer a pena comentar. Não é um filme mau, entenda-se, mas podia ter sido muito bom e esteve longe disso. O outro filme que não podia faltar aqui é Prometheus. Esta obra tem três aspectos que quase a redimem: os trailers foram fenomenais, o andróide David é uma óptima personagem interpretada genialmente por Michael Fassbender e é visualmente bonito (e não me refiro somente à Charlize Theron). De resto, o filme é infinitamente inferior ao que os trailers faziam prever, David é a única personagem que interessa realmente (não que não houvesse boas performances, mas nem essas salvam personagens de si absolutamente irrelevantes), os alienígenas são simultaneamente geniais ao ponto de criar vida e brutos ao ponto de agir como ali se viu, as pessoas que trazem a tecnologia de mapeamento são as que se perdem, os melhores cientistas da Terra agem como adolescentes e eu podia continuar. Um filme que, sinceramente, não se perde nada em não ver já e aguardar pela sequela para saber se depois vale a pena voltar atrás e perder tempo.



Política

Crise - Troika - Ajustamento
Este ano foi mais uma vez marcado por estas palavras. Os portugueses e até uma boa parte dos europeus continuam sem perceber muito bem em que tipo de crise estão estes países, o que são estes planos de "ajustamento", e muito menos o que se pretende com a malfadada Troika. Não é o momento de fazer grandes explicações a este nível, mas não deixo de destacar alguns pontos importantes:
 - Continuamos a ouvir do nosso governo que a crise está para melhorar sem de facto estar, que as medidas de que ninguém gosta (até dão a entender que os próprios não gostam, embora as tomem) se devem à herança da governação anterior e, pior de tudo, que andamos a compensar os anos que vivemos acima das nossas possibilidades. Esclarecimento, se é que é preciso: não são pessoas que gastaram mais que o que tinham que estão a pagar isto, são todas as que não têm como fugir ao que este governo manda, por mais inocentes que sejam; se foi o estado que gastou acima das suas possibilidades, isso não se resolve com a perda de poder de compra de gente que já vive bastante abaixo do nível dos restantes países da Europa ocidental e do sul, mas com a correcção dos gastos em coisas mais supérfluas do que a sobrevivência do seu povo e das empresas, como gastos burocráticos e intermediários e as PPP e afins acordos em que o estado sustenta os amigos dos governantes ou os ex-governantes; por fim, se vivemos mal apesar do que gastamos, isso provavelmente não quer dizer que gastamos demais, mas que produzimos de menos - parece uma pequena diferença, mas é fulcral nesta situação;
 - Ajustamento não é uma palavra qualquer, muito menos quando vem associada a discursos do tipo "estamos a ser ajudados, apoiados, salvos". A ideia é convencer-nos de que precisamos deste programa e não nos podemos queixar nem contestar. De facto, Portugal, depois dos gastos ridículos  desde o governo do Cavaco Silva (pelo menos) e da especulação criminosa com a sua divida soberana no final do governo do Sócrates, precisa de ajuda. Mas este plano de ajustamento não é uma ajuda, é uma forma de nos por dependentes da caridade externa enquanto nos obrigam a pagar em juros tudo o que for possível e imaginário, até à exaustão. É essa a única explicação para empréstimos com estes juros, estas condições e esta interferência na política interna de um país. Ajustamento? Se querem mesmo ajudar Portugal, porque não começam por permitir a eliminação de uma das maiores parcelas do nosso gasto anual, os juros da dívida à Troika?
 - Troika, a palavra que mais jeito deu a este conjunto de abutres que pairam em cima das nossas cabeças. Desde o princípio desta situação que temi o uso desta palavra, que me insurgi por vezes contra o seu abuso nas notícias e conversas em todo o lado. Porquê? Porque para a generalidade das pessoas e em grande parte das conversas, a Troika torna-se o alvo das acusações que de outra forma encontrariam alvos reais e concretos, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, o FMI e os países que os controlam.
Na verdade, isto é tudo intencional, é tudo uma forma disfarçada de impor uma ideologia que não é a dos portugueses ao nosso país, ao mesmo tempo financiando a banca de outros.

Miguel Relvas
Quanto a "isto", só tenho uma coisa a dizer: como é que é possível que um homem mentiroso, que falsificou até mesmo o seu currículo académico, que parece andar frequentemente a exercer pressões a nível da comunicação social e que tem ligações mal definidas com empresários que são ou estão a tornar-se muito importantes em Portugal ainda não foi demitido do governo? Como é que ainda não entrámos pela assembleia dentro, num dia em que ele tenha lá ido mentir (vulgo, no caso dele, discursar), e o expulsámos a pontapé? É porque somos mansos e pacatos, ou porque somos "o melhor povo do mundo"?

Governo - a táctica:
Para além da irritante referência constante a Sócrates, este governo tem outro mecanismo para ir enganando o povo que governa e que foi especialmente visível este ano. Começa por anunciar, num conjunto de medidas terríveis, injustas, ou completamente estúpidas (como é seu hábito) uma especialmente má ou especialmente incompreensível, ou vá, não aplicável. Isto torna-se o alvo de toda a indignação, todo o comentário político, toda a oposição. De seguida, o governo volta atrás somente com essa medida, substituindo esse "erro" por algo, digamos, menos mau. A contestação diminui consideravelmente, e o resto da parvoíce que anunciaram passa por baixo da ponte e é aplicada, para o mal de todos nós.

"União" Europeia
No ano em que este agrupamento de países da Europa ganha o Nobel da Paz, custa mais do que nunca chamar-se união, comunidade, ou o que seja. Como é que é possível que um projecto anunciado como a solução para evitar as crises do passado, os ódios nacionalistas, as diferenças polarizantes, para melhorar a vida de todos os cidadãos europeus e para nos dar uma voz preponderante no palco mundial se tornou um mecanismo de aumentar o fosso entre os ricos e os pobres, entre os que mandam e os que obedecem, entre os exploradores, moralmente superiores e os delinquentes explorados, não sei dizer. Mas sei que, do que conheço da sua história, nunca como  agora foi tão óbvio que o projecto falhou e que precisa de ser "ajustado" ou destruído e reiniciado. Sim, porque eu continuo a ser a favor de uma coordenação dos vários países europeus, mas uma que não implique a destruição da nossa capacidade de produção e a nossa obediência aos planos e ideologias dos países que têm mais dinheiro e poder que nós.


Eu

O que mudou em 2012 a nível da minha presença online?
 - O meu blog voltou a estar activo e pretendo que assim continue (embora talvez não tanto como tem estado em Dezembro) dado que quero manter o hábito de escrever algo sobre o que leio, o que vejo, o que gosto e não gosto, o que penso, o que me indigna. Refiro-me principalmente a livros, filmes, séries, mas não só. Actualidade, política, ética e até mesmo assuntos profissionais poderão ser mais comentados, de acordo com a minha capacidade e possibilidade. Agradeço sempre comentários em relação ao que escrevo, mesmo que sejam para discordar de tudo!
 - Sigo muito mais blogs sobre livros, portugueses e estrangeiros, e estou a gostar da experiência, não só por conhecer novos livros, mas por ver outras formas de escrever e comentar, que só enriquecem os meus próprios textos. Agradeço sugestões de blogs que sigam e valham a pena.
 - Sigo blogs de filosofia e ciência há algum tempo, mas muito irregularmente, algo que pretendo corrigir de futuro. Há ideias que encontro nestes locais que não me chegam de nenhuma outra forma.
 - Twitter: Voltei a utilizar esta plataforma, interessante para o contacto do dia a dia e para seguir autores, actores, certas organizações e até agregadores de notícias. No entanto, apesar de manter contacto com várias pessoas quase somente através dele, o twitter traz consigo alguns problemas. Por um lado parece estar a levar as pessoas a esperar respostas directas e imediatas a tudo, dificultando conversas lentas, ponderadas e complexas precisamente com as pessoas com quem se fala diariamente. Claro que se pode dizer que o twitter não obriga a nada, mas pelo facto de estar sempre disponível e com novidades, acaba por diminuir o ímpeto para iniciar outro tipo de contacto ou conversa noutra plataforma. Penso nisto principalmente ao nível das gerações criadas num mundo de telemóveis, facebook, twitter e afins, que poderão acabar por limitar as suas experiências na juventude e ficar sempre algo impacientes no contacto social.
 - Clockwork Portugal: este ano dediquei-me a este projecto, do qual falei em pormenor aqui.

Quanto à vida profissional, 2012 foi um ano francamente mau. Não cumpri com os meus objectivos a nível de tempo dedicado a estudo que é sempre necessário mas principalmente em contexto de internato. Por outro lado passei o ano em estágios hospitalares e portanto quase ausente  daquilo que se irá tornar a minha prática diária - a consulta no centro de saúde. Os estágios em geral ficaram aquém das expectativas e acabei por perder simultaneamente muito do hábito e à-vontade na consulta. Algo a corrigir em 2013, se me deixarem.

Comecei a minha participação no Coursera - uma plataforma que agrega cursos online de várias universidades espalhadas pelo mundo - com o curso Fantasy and Science Fiction: The Human Mind, Our Modern World, infelizmente de forma muito incompleta, por falta de tempo. Já tenho planos para 2013.


E vocês, o que vos marcou no ano passado? Livros, filmes, séries, viagens, acontecimentos, situações? Concordam comigo? Se também fizeram restrospectivas ou tops de 2012, deixem o link nos comentários para eu ver.

Saturday, 29 December 2012

Life of Pi by Ang Lee

Aqui está um filme difícil de comentar, até porque saí do cinema com uma mistura de sensações e pensamentos ambulantes. A Vida de Pi é baseado no romance de Yann Martel que costumava ser considerado impossível de converter para filme. Nunca o li, mas este filme está longe de estar mal feito e só posso esperar que tenha feito justiça ao livro, até porque agora tenho intenção de o ler.

Começo por fazer uma sinopse, por um lado porque é mesmo difícil de falar deste filme sem referências directas ao enredo ou a cenas específicas e por outro porque preciso de organizar as ideias. Se ainda não leram o livro ou viram o filme, atenção aos avisos (SPOILERS).
Inicialmente temos um escritor que acaba de desistir da última história que estava a trabalhar e que é aconselhado pelo tio de Pi a procura-lo e ouvir a sua história, uma que o fará acreditar em deus. Ele assim faz, e, embora o avise de que não sabe se o resultado de ouvir a história será esse, faz o seu relato. Começa pelo encontro dos seus pais, a sua infância na Índia, educação, descoberta de várias religiões e fé em todas, a relação dos pais com este facto e com a religião em si (o pai é racional e contra crenças que não passem esse crivo, a mãe tem uma necessidade emocional de se manter ligada à sua religião). Eventualmente chegamos ao momento em que Pi explica o que levou a família a decidir livrar-se do seu zoo e mudar-se para o Canadá. O pai arranja transporte num navio japonês que entretanto naufraga no Pacífico durante uma enorme tempestade. A partir deste momento conhecemos uma história absolutamente inacreditável, com alguns momentos de aparente puro delírio, em que um rapaz sobrevive num bote salva-vidas acompanhado de uma zebra, um orangotango  uma hiena e um tigre chamado Richard Parker (que antes havíamos visto, no momento em que o pai de Pi lhe tentou mostrar a diferença entre os animais e as pessoas no sentido de o preparar para a vida). Bem, a maior parte do tempo só Pi e o tigre, dado a hiena matar a zebra e o orangotango e ser depois morta pelo tigre. No seu momento de maior desespero, Pi dá à costa numa ilha com um interminável número de suricatas e descobre que ela é carnívora e que o consumirá se ele se deixar ficar. É assim que ganha a força (e recursos) para continuar a viagem que eventualmente o leva à costa do México, onde ele vê o tigre desaparecer sem sequer olhar para trás ou qualquer esboço de despedida. (SPOILERS MUITO REVELADORES) Quando dois japoneses o visitam no hospital para lhe perguntar detalhes do naufrágio (claro, para a seguradora) ele conta-lhes toda esta história. Eles, claro, não acreditam e pedem-lhe uma história credível, que possam levar aos seus patrões sem serem ridicularizados. Pedem-lhe, claro, a verdade. Ele responde-lhes com outra história (quem me dera que ainda menos credível) de como ficou perdido no mar num bote com um marinheiro, o cozinheiro e a mãe, como o cozinheiro matou o marinheiro e a mãe de Pi, e de como o próprio acabou por matar o cozinheiro. Eles calam-se, não lhe perguntam mais nada e só mais tarde descobrimos que eles escolheram relatar a história com os animais e referindo-se a Pi com grande admiração e espanto pela sua capacidade de sobrevivência durante mais de 200 dias. (FIM DAS REVELAÇÕES PREOCUPANTES)

Visualmente, este é um trabalho fenomenal, tanto a nível de fotografia como de CGI, e o 3D está bem conseguido, por vezes quase passa despercebido (o que é bom) e noutras de facto adiciona algo à experiência, como é o caso de algumas cenas no oceano.
Suraj Sharma foi muito bom como Pi, principalmente quando foi o único humano em cena. O Pi está de tal forma realista que dificilmente se nota o autor por detrás da personagem, algo que esta história definitivamente precisa. O Pi mais velho e o escritor foram também bem interpretados e aproveito para fazer uma referência aos momentos em que somos trazidos do naufrágio para a conversa dos dois e que, embora pudessem prejudicar a imersão na história, acabam por ajudar à sua progressão e à transmissão daquela sensação de estar a ouvir uma história contada.

Tenho apenas dois grandes problemas com A Vida de Pi mas, infelizmente, problemas que tiveram um impacto considerável na minha impressão geral do filme. O primeiro é a introdução. Geralmente gosto de introduções, explicações, contexto, mas os momentos em que nos dão esta informação têm que ser ou muito interessantes por si só ou aparecer depois de eu já ter alguma empatia ou curiosidade sobre a personagem. Infelizmente, neste caso, a informação foi fornecida em bloco antes de chegar à parte interessante da história e tornou-se um interminável aborrecimento. Se tivesse sido misturada com o resto da história ou pelo menos consideravelmente diminuída  eu teria chegado à parte do naufrágio muito mais preparado para a aproveitar. Assim, mesmo depois do filme acabar, eu continuava frustrado com aquele início entediante. O segundo problema deve-se à quantidade de referências a deus(es). É em parte compreensível porque a fé e religião é uma parte muito importante de quem Pi é e em especial daquela infância, mas num filme em que supostamente o estamos a ouvir contar a própria história, era realmente necessário parar para mostrar todos os momentos em que falou com deus, berrou para deus, perguntou a deus, desesperou com deus? Foram momentos forçados, por vezes absurdos e desnecessários. É preferível deixar-me interpretar a história por mim, e isso não é só o que eu prefiro mas também aquilo que a personagem, o Pi, parece querer quando começa a conta-la. Por outro lado, discordo com quem critica o filme pela ter uma mensagem paternalista que tente forçar a crença em religiões ou deus(es). Com excepção da crítica que referi, esta é uma história deixada à interpretação de cada um e não teve nem impacto nas minhas próprias crenças (ou ausência delas) nem aparente propósito de o fazer. É também por este motivo que estou interessado em ler o livro. Esta é, claro, uma história muito metafórica, cuja referência à fé apesar do determinado por cada religião constitui apenas a ponta do icebergue. Há o paralelo entre as pessoas e os animais (essencialmente através de Pi/Richard Parker), as questões da esperança, desespero e a ilha carnívora (que, considerando que Pi era vegetariano, se tornou um momento inteligente e eficaz), ato-confiança e auto-conhecimento, tradição, respeito pela vida, razão vs fé, etc.. Tudo isto se reflecte na luta de Pi contra si mesmo, com aquilo em que se vê tornar, com o que precisa de se tornar para sobreviver, com o que esta situação o obriga a fazer, como lhe parece ter que mudar aquilo que considerava sagrado, que acreditava em si mesmo, no mundo ou em deus. É este o grande propósito da história que o tio de Pi considerava que seria fascinante para o escritor e é talvez por isso que o filme (e provavelmente o livro) é amado por tanta gente. O próprio Pi é uma metáfora, um meio para transmitir estas mensagens, algo que é simultaneamente útil e claramente pretendido, como também problemático por dificultar a ligação emocional e empatia com a personagem e as suas acções (por vezes ele parecia-me pateta, mas outros poderão ver nisso somente a sua confusão mental). A ideia final parece ser algo do tipo: sê positivo, optimista, quanto àquilo que não percebes na vida, quanto ao futuro, quanto ao sentido das coisas. Se, para alguém, isto significa acreditar em deus, então está claramente no mesmo barco da personagem e provavelmente de Yann Martel e Ang Lee, mas Pi parece dizer que vive como vive simplesmente porque prefere a história do bote com os animais do que a outra. Se eu concordo? Não, de todo, e este filme parece até fazer mais pelo meu pessimismo  que por outra coisa qualquer, até porque eu prefiro estar preparado para o que corre mal do que viver num paraíso presumido e depois levar uma chapada da realidade. Mas o filme é bom a fazer-me pensar sobre isto sem me espetar uma resposta à pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo o mais na cara? Sim. E eu ainda acredito que a resposta é 42.
Fiquei a pensar se estarei eu próprio aberto a mudanças e adaptações do nível das que foram impostas a Pi para a sua sobrevivência. Desde que deixei de ser Piscine Molitor Patel, sempre fui mais Richard Parker do que Pi, e duvido que alguma vez venha a ter mais de Pi na minha personalidade. Mas, de facto, quem sabe se um dia não vou ter que sobreviver num bote salva-vidas e lá descobrir um ser vivo qualquer com o qual tenho ao mesmo tempo de contender e aprender?

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Here is a film that is really hard to talk about for me, because it left me with mixed feelings and wandering thoughts. Life of Pi is based on the homonymous novel by Yann Martel and was once considered impossible to be well converted into film. I have never read the book, but this is no bad film and I can only hope it made justice to the novel, for one, because the author was involved in the adaptation and two, because I now intend to read it.

It's almost impossible to say anything about this before or without talking about plot and ending - if for nothing else, to help me put some ideas in order - so I advise, "here be dragons" (SPOILERS).
Here we have a writer who has just given up on his latest novel and trashed it and is now looking for a new story. He finds a man - Pi's uncle - who tell's him that he knows one person who has an astonishing story that will make him believe in god. So the writer finds Pi Patel and asks him to tell him the story. Pi says he doesn't know if it will change his beliefs, but agrees. He starts with his mother and father meeting, his childhood in India, his education, his discovery of multiple religions and his belief in all of them, his parents' relationship with religion (father all for rationality and abandoning belief, mother with an emotional motive to never abandon it). Eventually we get to the moment where he explains that they decided to move to Canada. They get a Japanese ship to carry them and their zoo animals across the sea, but in the middle of a huge storm it sank in the pacific ocean. From here on we are told an almost unbelievable story, with moments of apparent delirium, of how a boy survived on a boat with a zebra, an orang-outang, a hyena and a tiger named Richard Parker (which we had seen before, when his dad taught him a lesson about how animals are different from people in order to prepare him for the real world). Well, most of it with only the tiger, seeing as the hyena kills the others and is then killed by the tiger. On the moment of his greatest despair, when he is about to give up and let himself die (well, on the third time he seems to feel this) he gets to an island with never-ending meerkat and understands that it is carnivore, that it would consume him if he stayed there. So this gives him the strength (and supplies) to carry on the journey, which ends up on the Mexican shore, where he finally sees the tiger disappear without any form of goodbye. (MAJOR SPOILERS AHEAD) When two Japanese men come to ask him about the shipwreck (obviously, because of insurance) he tells them this story. They don't believe him and so ask for a credible one, one they can take to their bosses without being laughed at. The truth, they say and ask. So he tells them a story of how he got on a boat with a sailor, a cook and his mother, how the cook killed the sailor and then his mother and how he then killed him. They ask him no more. We finally are shown that in the end, the insurance men chose to report only the story with the animals and spoke highly of Pi and his amazing survival in the see for over 200 days. (NO MORE MAJOR SPOILERS)

Visually, this is an amazing work, both in photography and CGI, and the 3D is well done, almost seamless at times and adding to the experience in the oceanic scenes.
Suraj Sharma was really good and even more so when he was the only human "on stage". Pi feels and acts so real we hardly feel the actor behind him, and that is precisely what such a story needs. The older Pi and the writer were also well played and I must say that the intermissions when we go back from the shipwreck to their conversation actually add to the feel and pacing instead of becoming blunt interruptions.

I have only two problems with Life of Pi, but, sadly, problems that had an impact on my general feeling towards the film. The first one is the huge introduction. I usually like introductions, explanations, context, but the moments when we are given such information have to be either very interesting by themselves or come after I already care somewhat for the character it refers to or its general subject. In this case, the background information is given en bloc before we get to the good stuff, making me feel quite bored. Had it been mixed with the rest of the story or reduced, I might have gotten to the shipwreck part much more excited and ready to enjoy it. As it is, I got out of the cinema still frustrated at how long and boring it had been and how unnecessary this was. The second problem is the amount of references to god(s). I understand it was a huge part of his childhood and of who Pi is, but in a film where we are supposedly hearing a story told by the man himself, did we really need all those moments where he talks to god, yells in despair to god, asks god why, etc.? They felt forced, out of place, absurdly unneeded. Let me interpret the story on my own, that's not only what I prefer, but also what Pi himself seemed to want when he started talking. On the other hand, I must disagree with people who criticize the film for its patronizing message and attempt to force belief down the viewer's throat. Apart from the previous point, this story can be freely interpreted, had no impact on my beliefs nor did it ever seem to be purposely built for that. And for that reason I am even more interested in reading the novel. This is, of course, a very metaphoric tale, with the reference to belief in spite of religion being only the tip of the iceberg. There is the parallel between people and animals (mostly through Pi/Richard Parker), the motifs of hope, despair and the carnivorous island (which, considering Pi was a vegetarian, is a very smart and effective moment), self-confidence and self-knowledge, tradition, respect for life, reason vs belief, etc.. All of these are reflected in Pi's fight with himself, with what he sees himself becoming, what he needs to become in order to survive, what the shipwreck is making him do, how he seems to have to change what he believes, what he held as sacred, what he thinks of himself , of the world, of the divine. This is the major purpose of the "story" that Pi's uncle thought would be mesmerizing for the author and the reason why this film (and probably the novel) is loved by so many. Pi himself is a metaphor, a conduct for all these messages to be shown, and that is both useful and the whole point of it and also a problem because it becomes harder to the viewer to feel empathy and connect to the character and some of his actions (sometimes I felt he was being outright foolish, others might just think he is confused and still adapting to the situation). The final idea does seems to be something close to: be positive about what you don't understand about life, the future, and the purpose of all things. If, for you, this means believing in god, then you're right there with the character and probably Martel and Lee themselves, but Pi does seem to say that he lives like he does because he prefers the story of the lifeboat with animals than the other one. Do I agree with it? Not at all. The film might actually do more for the pessimism in me than anything else, because I'd rather feel prepared than live in a made up bliss and then get smacked in the face by life happening. But is it good at making me think about it without pressing some answer to life, the universe and everything to my face? Yes. I'm still siding with 42 as the real answer.
I'm left thinking if I am open to change, such as Pi had to be in order to survive. I've been more Richard Parker than Pi ever since I stopped being Piscine Molitor Patel, and I doubt I'll ever have more of Pi in my own personality. But really, who knows if I'll ever have to escape on a lifeboat and find some kind of being there with me to contend or learn with?

Friday, 28 December 2012

Earth's Final Hours by David Hogan

Mais um filme sobre o fim do mundo, desta feita originado por material que atingiu a tera resultado da explosão de um buraco branco que pára a rotação da Terra.
Tem três grandes problemas: as personagens são clichés unidimensionais, o enredo não é minimamente credível (longe vai o tempo em que alguém acreditava assim, de graça, que dois satélites perdidos poderiam reiniciar a rotação do planeta) e os efeitos especiais e comportamento das tempestades solares que são absolutamente ridículos. Aliás, as ondas parecem chegar à nossa atmosfera e, a partir daí, decidem novos movimentos pendulares e trajectórias, mas sempre presas ao ponto em que penetraram a atmosfera. Há outros problemas, típicos de muitos deste filmes, como as pistolas com balas intermináveis, pessoas com energia inacabável para andar aos murros e pontapés, a previsibilidade do enredo e por aí fora. Por fim, não posso deixar de falar da personagem que serve de interesse amoroso do rapaz (filho do herói / super-espião, que é hacker e sabe mais de ciência  e tecnologia que todos os outros). É uma rapariga idiota, tão insegura que chega ao ponto de duvidar se será capaz de carregar no botão vermelho quando o rapaz avisar e precisa que ele faça aquele típico olhar e diga: "tu consegues".
Um filme a evitar.


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This is a new take on the end of the world theme, this time brought by some matter from an exploded white hole that stops the Earth's rotation. 
It has three great problems: the characters are unidimensional clichés, the plot has absolutely no credibility (a long time has passed since anyone believed the world could be saved by a couple of lost satellites that can restart its rotation) and the special effects and behaviour of the supposed solar flares are ridiculous. There are other problems, typical of these films, such as the never-ending bullets, the never-ending stamina of the people fighting, punching and kicking, the predictability of the plot, and so on. Last, but not least, the girl / love interest of the super hacker son of a spy science buff kid is so idiotic she got on my nerves. She has self-confidence issues to the point of fearing she might not be able to push a red button when he says so.
A film to avoid.

Thursday, 27 December 2012

Tabu by Miguel Gomes

Começo por confessar que não tenho hábito de ver cinema português. Tabu foi-me aconselhado como um filme de alta qualidade, do melhor que se fez em 2012.
O filme tem duas partes muito distintas entre si e que correspondem aproximadamente a duas metades das quase duas horas de filme.
A primeira - "Paraíso perdido" - segue a vida de Pilar e Aurora, duas vizinhas, não só de rua mas também numa certa sensação de solidão. Pilar é uma mulher insistentemente mostrada como boa pessoa, amiga e preocupada com os outros, mas que vive só e cujo aparente interesse amoroso lhe interessa francamente pouco - de uma piedade católica dolorosa. Aurora é a sua vizinha, mais velha, que vive com a sua empregada Santa e abandonada pela filha que terá emigrado para o Canadá. Se inicialmente a história nos é mostrada do ponto de vista de Pilar, vai-se percebendo que o real mistério a ser explorado no filme pertence ao passado de Aurora, que ainda hoje a apoquenta. Esta primeira parte peca por ser lenta demais. Há momentos em que se torna quase uma tortura o silêncio inactivo e consecutivo ao longo de quase uma hora. Mas, se aguentarmos, chegamos ao momento final, em que nos é revelado o motivo pelo qual houve esta introdução, na comparação entre a boa pessoa, injustamente solitária e a culpada, que se sente a pagar penitência por erros passados. Pilar vai ao encontro de um suposto velho amigo de Aurora e é ele, Ventura, que passa a ser o narrador, introduzindo a segunda parte do filme - "Paraíso".
Aqui vemos a juventude de Aurora, a adopção do crocodilo, o seu casamento, gravidez, a relação com Ventura, os seus pecados e a forma como acabaram ambos em Portugal. A segunda parte é substancialmente melhor que a anterior, e, embora não lhe note a genialidade que outras criticas lhe conferem, justifica bem a hora que lhe é dedicada e o tempo que se perdeu à espera dela. O narrador funciona muito bem, a fotografia é fenomenal, os silêncios são naturais, a ligação ao início da guerra colonial fornece-lhe um contexto interessante e o crocodilo como testemunha dá-lhe uma certa graça. Se as as actrizes tinham estado óptimas em "Paraíso perdido", não há nada a apontar aos protagonistas de "Paraíso". O enredo, no entanto, (SPOILERS) não passa de um amor proibido entre a mulher casada e o amigo da família, ainda por cima baterista de uma banda, que a leva a atitudes de que ambos se arrependem para o resto das suas vidas.

Logo pelo título das duas partes, que mostra a diferença entre a vida boa de Aurora na juventude em Moçambique e a penitência da sua velhice em Portugal, percebe-se que este é um filme pejado de simbologia. A filmagem a preto e branco, os silêncios contemplativos, a introdução, o crocodilo, a descrição do sonho de Aurora, houve um enorme investimento nos símbolos, de certa forma afogando o que resta de filme.
Aquilo que se torna o seu pior problema é, no entanto, a duração da primeira parte. A mesma  mensagem poderia ter sido passada em metade do tempo, dando-lhe uma progressão que não sendo rápida ao ponto de perder a sensação de solidão e melancolia, deixaria de ser lenta ao ponto de se tornar soporífera. É um defeito comum no cinema português, do que eu conheço dele.
Acaba por tudo isto por ser um filme que será aproveitado ao máximo e adorado por uma minoria do grande público, já cansada do cinema anglo-saxónico mainstream e preparada para uma obra que tem um pendor intelectual bem introduzido no enredo embora não muito elaborado ou surpreendente e sem grande investimento no entretenimento. Vale a pena ver, mas sem grandes expectativas e com uma certa preparação mental.

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I'm not used to watching Portuguese films, but Tabu was recommended as one of the best films in 2012 so I decided to give it a chance.
Tabu has two very distinct main parts, roughly one hour each. The first - "Paradise lost" - follows Pilar and Aurora, two neighbours who share not only the location but also a certain feeling of solitude. Pilar is persistently shown as a good person, friendly and worried about others, living alone, with little interest in her supposed love interest - a painful catholic piety through and through. Aurora is her elder neighbour, lives with Santa - the maid - having been apparently abandoned by her daughter who has moved to Canada. The story is initially told from Pilar's point of view, but one eventually understands that it's Aurora's troublesome past that will end up being explored in the rest of the film. This first part is by far too slow, with some of the consecutive silent moments becoming almost torture. If one keeps watching though, the purpose of this first part is revealed, in the comparison between the good woman, whose solitude is unfair, and the guilty one, who feels she is paying for her sins. Eventually Pilar looks for Aurora's long lost friend, Ventura, who becomes the narrator for the second part of the film: "Paradise".
Here we get to watch Aurora's youth, the adoption of the crocodile, her marriage, pregnancy, her relationship with Ventura, her sins and how they both ended up living separately in Portugal. This second part is much better than the first and, though far from being ingenious as I've read on other reviews, it does deserve it's duration and how much one waited for it. The narrator works really well, the photography is astonishing, the silences are natural, the connection with the beginning of the colonial war gives it an interesting context and the crocodile as witness comes as a funny but not goofy detail. If the actresses were great in "Paradise lost", the main actor and actress in "Paradise" were also flawless. The plot, though, (SPOILERS) is nothing but the typical forbidden love between the married woman and the friend of the family and drummer in a band, which eventually leads to some actions - mainly hers - that both regret for the rest of their lives.

This is a film fraught with symbols, from the names of the parts - showing the difference between her good life in Mozambique and the penitence of her old age in Portugal - and the black and white image to the contemplative silences, the introduction, the crocodile, Aurora's dream. The investment in symbology is so much it drowns the rest of the film.
Despite what I just said, the worst part of Tabu is, undoubtedly, the length of the first part. The same message could have been delivered in half the time, giving it the pacing it needed, not too quick that it lost the feeling of loneliness and melancholy but also not as slow, becoming quite soporific. From what I've seen, the slow pacing and exaggerated use of silence are common problems in Portuguese cinema.
For all this, Tabu ends up being a film to be truly enjoyed by few, tired of the mainstream Anglo-Saxonic cinema and prepared for a quite intellectual tendency, nicely woven into the plot though not deeply worked or really surprising, and little investment in entertainment. It's worth watching, though one should avoid high expectations and be on the right mindset.


Wednesday, 26 December 2012

Saga Volume 1 by Brian K. Vaughan and Fiona Staples

Esta série foi tão recomendada na internet e na minha loja habitual de BD que eu não resisti a comprar. Ainda por cima já tinha lido um pouco e gostado de Y: The Last Man de Brian K. Vaughan pelo que parti para a leitura com elevadas expectativas.
A história segue uma família improvável - Alana pertencia às forças de um planeta há muito tempo em guerra com uma lua e tem asas como uma fada; Marko pertencia ao exército da lua, tem cornos como um fauno e sabe magia, mas decidiu recusar a violência pelo que se entregou ao inimigo, tendo encontrado Alana - e começa pelo parto da filha deles.
Claro que, dado o contexto, somos logo de seguida embrenhados numa fuga interplanetária, combates inevitáveis e conversas sobre que nome dar à criança. Mas isto é ao mesmo tempo o ponto central do enredo e a desculpa para o autor mostrar os limites da sua imaginação. Desde assassinos a soldo galácticos, um com demasiadas patas para o conforto de aracnofóbicos, outro com um gato que avisa quando alguém mente, uma suposta floresta de naves espaciais, a fantasmas que defendem um planeta e uma realeza cujas cabeças são televisores, não é possível adivinhar o que vamos encontrar de seguida no mundo de Saga. Há aqui um elemento típico destas histórias, o facto de um dos lados usar magia e o outro ser mais evoluído ao nível da tecnologia que, dependendo de como for desenvolvido ou deixado como contexto, pode aproximar-se ou divergir do cliché. A avaliar pelo primeiro volume, vai valer a pena. Mas não é só desta mistura de fantasia e ficção científica e de amores proibidos que vive Saga. Logo no primeiro volume, o autor não teve qualquer problema em tocar questões como as crenças, tradições pessoais, familiares ou planetárias, a guerra do ponto de vista do cumprimento cego de ordens superiores, a facilidade com que se mata alguém quando há acesso a armas e até o tráfico e exploração sexual de crianças.
A arte é fenomenal, tanto a nível de desenho como de coloração. As personagens têm personalidade, expressões faciais e corporais que não podiam contar melhor a história. A ilustração do mundo, de vários locais em diferentes planetas, é rica e variada e ajuda a mente a acreditar que estamos a viajar pelo espaço. A magia tem sido desenhada de uma forma subtil, o que a torna mais credível do que os raios e coriscos a que nos fomos habituando, mas a necessitar por vezes de ingredientes imprevisíveis o que lhe dá uma plausibilidade interessante.
Como começo de uma série, coleccionando os primeiros seis fascículos, misturando magia, ficção científica, personagens genuínas com diálogos engraçados, sexo inter-racial, eventos e locais imprevisíveis e temas relevantes, não posso pedir mais. Vou comprar o segundo volume sem dúvida e mal esteja disponível.


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Saga was so recommended all over the internet and at my local comics store that I couldn't have avoided buying it. I had read a bit of  Y: The Last Man by Brian K. Vaughan before and liked it, so I had high expectations for this one.
The story follows an unlikely couple - Alana, from the planetary forces long at war with a moon and with vestigial "fairy" wings; Marko, horned as a faun, spellcaster, soldier of the moon's army, renounced violence and surrendered to the enemy and meeting Alana while imprisioned - and starts off with Alana giving birth to their daughter.
After this, we are right away thrown into an interplanetary escape, unavoidable fights and talks about the child's name. But this is at the same time the central focus of the plot and an excuse for the author to show the limits of his imagination. From professional assassins for hire, one with too many legs (beware arachnophobia) and other with a cat that works as a lie detector, a legendary spaceship forest to ghosts that are supposed to defend their planet and a royal family with television sets for heads, one cannot guess what is going to appear next in the world of Saga. It includes a typical element of these stories, the fact that one side of the war uses magic and the other is more tech-savy, which, depending on how it is developed or kept as background, might become or totally diverge from the cliché. If the first part is any indication, it's going to be worth paying attention. But it's not only of this blending of fantasy and science fiction and forbidden loves that Saga lives. Right on the first volume, the author has no trouble handling problems such as belief, tradition, war from the soldier following orders point of view, the ease with which one kills when weapons are accessible and even sexual abuse and exploitation of children.
The art is phenomenal, both in terms of the drawing and the colours. The characters have personality, facial and body expressions that couldn't do better storytelling. The illustration of the worlds, the multiple places and planets, is rich and varied and helps trick the mind into believing we are really travelling through space. The magic is subtly added to scenes, making it more credible than the lightning and sparking on might be used to and sick of. The fact that some spells need odd unpredictable ingredients (and I'm not talking about mushrooms or crystals or such typical stuff) makes the whole setting more plausible.
As the starting point of a series - the first six numbers - mixing magic, sci-fi, genuine characters with funny remarks, interracial sex, unpredictable places and relevant themes, I can't really ask for more. I'll definitely buy the next volume as soon as possible.

Sunday, 23 December 2012

The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ by Philip Pullman

Decidi ler este livro por três motivos: sou fã do Philip Pullman desde que li a sua trilogia His Dark Materials, interesso-me por explorações da história das religiões e o título é curioso e engraçado.

The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ, traduzido para português para algo como O Bom Jesus e o Infame Cristo, revisita a história do homem e da figura mitológica dividindo-o em dois irmãos gémeos, Jesus e "Cristo". Isto permite-lhe ao mesmo tempo repensar a origem do cristianismo como credo e como igrejas ou organizações, tal como criar duas pessoas muito mais credíveis que o relato do "messias" que nos é trazido pelo novo testamento, os evangelhos seleccionados e as suas interpretações pelas várias igrejas. O primeiro passo nesse sentido é retirar-lhes a primeira prova de divindade, sendo que aqui Maria não está grávida de deus mas de um homem que se faz passar por anjo e a convence que está a fazer a vontade divina.
Nesta história, Jesus é o profeta bíblico, o que faz discursos para a população, o que anuncia a vinda do reino de deus, o que provoca as instituições religiosas e administrativas. No início ele tem fé absoluta em deus e em tudo o que diz, mas à medida que o tempo passa e Jesus se vê sem respostas da parte de deus e sem evidência da vinda do seu reino, começa a questionar-se: "If that makes me a fool, I'm one with all the fools you made. (...) Is that what you're saying to me? That when I hear the wind, I hear your voice? When I look at the stars I see your writing, or in the bark of a tree, or the ripples on the sand at the edge of the water? (...) So, what's the answer?  These things are full of your words, and we just have to persevere till we can read them? Or they're blank and meaningless? (...) No answer, naturally. Listen to that silence. Not a breath of wind; the little insects scratching away in the grasses; Peter snoring over there under the olives; a dog barking on some farm out behind me in the hills; an owl down in the valley; and infinite silence under it all. You're not in the sounds, are you. There might be some help in that. (...) If I thought you were in those sounds, I could love you with all my heart, even if those were all the sounds you made. But you're in the silence. You say nothing. God, is there any difference between saying that and saying you're not there at all? I can imagine some philosophical smartarse of a priest in years to come pulling the wool over his poor followers' eyes: "God's great absence is, of course, the very sign of his presence" or some such drivel.(...) When the fool prays to you and gets no answer, he decides that God's absence means he's not bloody well there." Este é o homem que acreditava no deus do antigo testamento, no deus que cria, que fala, que se mostra, que castiga e perdoa e que em nome dele pedia às pessoas para deixarem tudo para trás e trabalharem apenas para corresponder à sua ideia de santidade. E esse homem nunca poderia ser, ao mesmo tempo, defensor do deus dos homens, do deus ausente, do deus implícito, suposto, provável, do deus que fala através de interpretações de escritos de homens e de instituições auto-proclamadas. No seguimento da conversa que citei parcialmente acima, Jesus diz: "Lord, if I thought you were listening, I'd pray for this above all: that any church set up in your name should remain poor, and powerless, and modest. That it should wield no authority except that of love. That it should never cast anyone out. That it should own no property and make no laws. That it should not condemn, but only forgive.".
Por outro lado, "Cristo" - que aqui é alcunha, para se não se identificar de início qual o seu real papel na história - é um homem estudioso, inteligente, que sabe as escrituras de cor, que argumenta com os adultos, que tem visão a longo prazo. É este que, com a influência de um indivíduo que ele pensa ser um anjo, começa a preparar a criação de uma igreja. Entenda-se que ele o faz com as melhores das intenções, mas - e como é típico daquilo que conhecemos hoje das igrejas cristãs - com o maior dos paternalismos. Cristo pensa ser necessária essa organização - o pastor - para levar as pessoas - as ovelhas - no caminho certo de acordo com o que deus quer (ou o que ele acha que ele quer). Não consigo deixar de ver aqui uma bela referência à moralidade de rebanho que Nietzsche acusa as igrejas judaico-cristãs de induzir no povo europeu e que tanto atrasou o nosso progresso cultural e social. No sentido de criar essa igreja, Cristo não se importa de relatar a vida de Jesus modificando vários factos, nem sempre pormenores, de forma a criar milagres, a fazê-lo parecer menos homem e mais divino, e até inventando coisas como a ideia de ele querer que Pedro funde tal igreja ou de lhe tencionar dar as chaves do céu. Convence-se que está a fazer o correcto com frases como: "There is time, and there is beyond time. History belongs to time, but truth belongs to what is beyond time. In writing of things as they should have been, you are letting truth into history. You are the word of God.".

A intenção não é provar nada, o livro não é uma investigação factual, nem um documentário, embora se baseie nos supostos relatos dos factos e mantenha grande parte do que hoje se crê ter sido a vida de Jesus. The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ assume-se como uma história mas também e essencialmente como uma exploração da origem das histórias e uma provocação à mente do leitor, deixando-o a pensar ou repensar Jesus, deus ou a religião em geral e suas instituições. Tudo isto escrito por uma pessoa que notoriamente tem um conhecimento profundo da bíblia. É por isso um livro que pode ser de interesse tanto para ateus e agnósticos como para cristãos ou crentes de outras religiões.
Há mais dois pontos que me parece importante comentar. Philip Pullman não é insultuoso nem desrespeita os cristãos com este livro. O seu tom não é tanto o de lhes mostrar que são tolos, burros, idiotas (como acontece frequentemente com o discurso de muitos ateus militantes), mas muito mais o de lhes mostrar que não devem acreditar cegamente na igreja. Há uma diferença entre acreditar na mensagem de Jesus, acreditar que ele era filho de deus e acreditar nas igrejas que apareceram entretanto e dizem ser representantes dessas mesmas divindades. Uma crítica que, no entanto, não posso deixar de fazer, é de que o autor foi demasiado directo em algumas mensagens. O leitura teria sido bastante mais agradável se as personagens não falassem tão claramente para o leitor, se as mensagens fossem um pouco mais implícitas.

Este livro pertence a uma colecção de vários trabalhos sobre mitos, na qual fiquei agora bastante  interessado.

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I decided to read this book because I'm a fan of Philip Pullman since I read His Dark Materials, I'm interested in the exploration of the history and foundation of religions and I thought the title was curious and funny.

The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ revisits the story of the man that became a myth dividing him in two twin brothers, Jesus and "Christ". This allows him both to rethink  the origin of christianity as a belief and religious organizations and create two men who are much more believable than the usual messiah as reported in the selected gospels and their official interpretations. The first step to achieve this is stripe them off their granted divinity, writing them into this story not as the sons of god but of a man that passed himself of as an angel doing god's will and convinced Mary she had to have sex with him.
Jesus becomes the biblical prophet, the one who gives the speeches, who announces and the coming of the kingdom of god, who provokes the religious and administrative institutions of his time. He starts of a true believer both in god and in the things he says about him, his wishes and his kingdom. But as time goes by and he never hears a thing from god, never gets an answer to his prayers, never sees any evidence of the kingdom, he starts questioning himself: "If that makes me a fool, I'm one with all the fools you made. (...) Is that what you're saying to me? That when I hear the wind, I hear your voice? When I look at the stars I see your writing, or in the bark of a tree, or the ripples on the sand at the edge of the water? (...) So, what's the answer?  These things are full of your words, and we just have to persevere till we can read them? Or they're blank and meaningless? (...) No answer, naturally. Listen to that silence. Not a breath of wind; the little insects scratching away in the grasses; Peter snoring over there under the olives; a dog barking on some farm out behind me in the hills; an owl down in the valley; and infinite silence under it all. You're not in the sounds, are you. There might be some help in that. (...) If I thought you were in those sounds, I could love you with all my heart, even if those were all the sounds you made. But you're in the silence. You say nothing. God, is there any difference between saying that and saying you're not there at all? I can imagine some philosophical smartarse of a priest in years to come pulling the wool over his poor followers' eyes: "God's great absence is, of course, the very sign of his presence" or some such drivel.(...) When the fool prays to you and gets no answer, he decides that God's absence means he's not bloody well there." This is the man who believed in the god of the old testament, the one who creates, speaks, shows himself (if indirectly), who punishes and forgives, and in his name asked all men to leave all behind and work only to become almost saints. And that man could never be the one who stands for a god of men, absent, implicit, assumed, likely, a god who speaks only through the interpretations of people's words and self-proclaimed institutions. Further ahead in the same conversation from which I quoted above, Jesus says: "Lord, if I thought you were listening, I'd pray for this above all: that any church set up in your name should remain poor, and powerless, and modest. That it should wield no authority except that of love. That it should never cast anyone out. That it should own no property and make no laws. That it should not condemn, but only forgive.".

The purpose here isn't to prove anything new, the book is no investigation, no documentary, though it is based on the supposed factual reports and does keep most of the story of what we now believe might have been the life of Jesus. The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ presents itself as a story, but also and essentially as an exploration of the origin of stories and a provocation to the reader's mind, making him think or rethink Jesus, god or religion and its institutions. All this written by a man who clearly has a profound knowledge of the scriptures. It's an interesting book both to atheists and agnostics, christians and other believers.
There are two other comments I must add. Philip Pullman isn't insulting or disrespectful towards christians in the book. His tone is not that much one to make them feel foolish or stupid (as ends up happening a lot with militant atheists), but more to make them question the absolute belief in a church. There is a big difference between believing in Jesus' message, believing he was the son of god and believing in the churches that spawned around and presume to represent him. The negative criticism I have is that the author was too direct, too straightforward in his messages. It might have been better, both to read and to achieve any result, if those messages were a bit more implicit.

The Good Man Jesus and the Scoundrel Christ is part of a collection of works on myth in which I'm now very interested.

Quote / Citação (2)

"Waste of time," said the leper. "There's a dozen or more beggars who come here every day, pretending to be cripples, hiring themselves out to the holy men. A couple of drachmas and they'll swear they've been crippled or blind for years then stage a bloody miraculous recovery. Holy men? Healers? Don't make me laugh."
"But this man is different," said Christ.
"I remember him," said the blind man. "Jesus. He come here on the sabbath, like a fool. The priests wouldn't let him heal anyone on sabbath. He should've known that."
"But he did heal someone," said the lame man. "Old Hiram. You remember that. He told him to take up his bed and walk."
"Bloody rubbish," said the blind man. "Hiram went as far as the temple gate, then he lay down and went on begging. Old Sarah told me. He said what was the use of taking his living away? Begging was the only thing he knew how to do. You and your blether about goodness," he said, turning to Christ, "where's the goodness in throwing an old man out into the street without a trade, without a home, without a penny? Eh? That Jesus is asking too much of people."
"But he was good," said the lame man. "I don't care what you say. You could feel it, you could see it in his eyes."
"I never saw it," said the blind man.



Tuesday, 18 December 2012

Contos Digitais do Diário de Notícias 2012/2013 (1)

O Diário de Notícias está a publicar, entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2013, uma colecção de 31 contosde autores portugueses em formato ebook. Os contos são de aparente tema livre, independentes uns dos outros e vão desde histórias supostamente baseadas em factos reais a pura ficção especulativa, desde drama a comédia ou suspense. Estão disponíveis na biblioteca digital do DN, à qual podem aceder aqui. Decidi ler toda a colecção dado conhecer pouco do trabalho dos autores portugueses contemporâneos e poder assim, em formato de conto relativamente rápido de ler, contactar com a escrita de vários. A colecção não se limita no entanto a escritores estabelecidos, incluindo igualmente histórias de outras personalidades do país. Este é o primeiro de vários posts a comentar os vários contos publicados.

O primeiro conto é de Pedro Paixão e foi para mim um mau começo. A Musa Irrequieta é um drama emocional romântico muito exagerado e com demasiado palavreado para a história que conta. Trata da relação entre um professor e uma aluna a que ele se refere como sua musa e por quem fica literalmente perdido de amores. O homem torna-se uma personagem insuportável na forma como se descontrola em relação aos seus sentimentos e de como fica obcecado pela rapariga. O conto acaba por ser uma enumeração dos seus pensamentos sobre ela. O final, apesar de triste e algo cliché, poderia ser a melhor parte, mais realista, mas uma referência à possível relação com factos reais deu-me a sensação de me quererem forçar reacções emocionais. Pode ter sido só impressão, mas piorou a minha opinião final.


Segue-se Cidade Líquida de João Tordo, este sim um conto bem escrito, que rapidamente coloca o leitor numa incerteza absoluta em relação ao que é real ou imaginado. Senti-me a ver a história através de uma mente cujos delírios são como que metáforas para o que lhe acontece e em especial para a separação ou ausência da esposa. Há personagens e situações cuja verdadeira essência (real ou delírio) ainda não consegui destrinçar (e acho que nem quero!). Entretanto o autor estabelece um certo paralelismo com o que ocorre no filme Cidade Líquida do realizador Roque dos Santos, ele próprio personagem, que o narrador vai descrevendo e que aponta para a confusão mental, a variedade de perspectivas sobre uma mesma história e ainda a ideia de esquecimento e  recalcamento. Um conto intrigante que explora a mente humana e que quero sem dúvida reler. Fiquei não só curioso em relação ao outro conto em que estas personagens aparecem mas também com vontade de ler algo mais e noutro formato da sua autoria.

Um Romance é um conto sobre um jantar "romântico" que o narrador observa da mesa ao lado e que serve de esqueleto - ou desculpa - para Rui Zink gozar com uma série de preconceitos e outras tolices da sociedade contemporânea. O narrador fala directamente para o leitor, o que ajuda para este tipo de mensagem e pode até conferir-lhe o pretendido tom humorístico. Infelizmente, a meu ver, o conto não resultou tão bem como poderia. Há uma tentativa de fazer o leitor repensar ideias pré-concebidas, com comentários sobre a inexistência dos telemóveis ou o hábito de ir ao teatro nos anos 80, algo muito engraçado não me parecesse desajustado do público alvo desta colecção (quem é que vai ler isto e não sabe ou pensa neste tipo de coisas?). A crítica, trazida aqui pela exposição do que é esperado do homem e da mulher num encontro e também pela forma como o Artur acaba por resolver a situação, resulta bem neste tipo de história. O conto é prejudicado principalmente pelo exagero de comentários, de piadas, de "bocas", que chegam ao ponto de fazer o leitor sentir que o autor o acha estúpido. Alguma subtileza ou pelo menos contenção no tom e quantidade destes reparos e acusações teria tornado o texto mais engraçado e a leitura agradável e, quiçá, provocado mais eficazmente as mentes a quem se dirigem.

O quarto conto desta colecção é Mania de Luísa Costa Gomes, autora de quem nunca li qualquer trabalho. Não consegui bem perceber o que a autora pretendeu criar com esta história, mas o resultado final foi um conto de mistério, cujo potencial suspense foi destruído pela absoluta confusão criada pela personagem e pela escrita. O enredo decorre de forma pouco linear, desconexa, o que poderia funcionar neste tipo de história, não estivesse aliado a uma personagem com completa dissonância entre o que é, o que diz e o que faz. Sáurio, em quem se centra a história, não sofre tanto de mania (indicada pelo título), como de má conceptualização por parte da autora. Um escritor que decide aproveitar-se de um telefonema enganado para ir ao mundo real procurar matéria prima para a escrita, Sáurio acaba por passar o conto a fazer o que diz não querer fazer, sem que isso faça sentido, que não seja para a progressão do enredo. Tira conclusões sobre as pessoas que mal conhece baseadas em dados nunca disponibilizados para o leitor, tem suspeições e toma decisões pouco ou nada explicadas e ainda consegue intercalar vários momentos com pensamentos sobre a morte, caídos "do céu", sem que nunca tenham conclusão ou ligação ao conto. Estes parecem-me apenas aforismos de suposta profundidade existencial sem ancoragem no enredo. Há no entanto bons exemplos de momentos de descrição, em especial enquanto a personagem caminha ou observa a rua. 
Talvez o objectivo fosse criar páginas de puro nonsense à volta de um escritor que, na senda por inspiração, se coloca numa situação arriscada e à volta da qual, por não a conhecer totalmente, vive de certa forma uma ficção dentro da ficção. Se era essa a intenção, só posso dizer que não resultou.

O pior conto até agora, Um rio chamado Angústia de Eduardo Madeira consiste na exploração da história do rio e dos povos e pessoas que com ele se relacionam, em busca da razão do seu nome. A escrita lembra um guião de stand-up comedy, cheio de nomes de países e pessoas que pretendem ser engraçados e cujas histórias vão sendo enumeradas sem grande sentido. Terminei a leitura sem me rir com o nonsense e sem me interessar pelo Angústia.


Continua num próximo post!

Monday, 17 December 2012

Portugal e a Grécia: dialética da crise e do ajustamento

Desde que se tornou público que Portugal pertencia, tal como a Grécia e a Irlanda, ao conjunto de países em crise das dívidas soberanas, os nossos políticos, comentadores e jornalistas todos passaram a comentar regularmente a comparação entre o nosso caso e o dos gregos. Não vou  falar agora sobre o que levou à crise, de quem ou do quê é a culpa, deixo esse tópico para outra altura. Interessa-me desta vez observar apenas esta comparação que se tornou ubíqua na conversa sobre a crise em Portugal.
Começo pelo princípio, como ditam as regras. Faz sentido ou não fazer a comparação? Parece-me claro que sim. Somos países com problemas diferentes mas comparáveis e sob programas de empréstimo internacional que trazem políticas impostas dentro da mesma linha ideológica, se é que se pode chamar isso à dita "austeridade".
Depois pergunto-me, porque será que se mantém a comparação com a Grécia, e não se faz com a mesma frequência ou profundidade a comparação com a Irlanda, ou com outros países "intervencionados" anteriormente ou até mesmo com países cujas intervenções foram menores, ou diferentes, ou estão pendentes ou consideradas prováveis? Será que é porque a nossa situação é mais semelhante à da Grécia? Não deve ser, se estão constantemente a dizer que estamos longe da Grécia, que somos diferentes da Grécia, que vamos divergir da Grécia, que a Europa nos distingue da Grécia, que os senhores mercados (pois de a chanceler também é senhora, porque não serão os mercados tratados com o mesmo cuidado?) têm mais confiança em nós que na Grécia. E se assim é, não faria todo o sentido falar também do quão diferentes somos da Irlanda, da Islândia, da Espanha, da Itália, do Brasil, da Argentina, do Equador?
Há aqui uma qualquer coisa estranha que não está bem explicada. Afinal será que nós somos mesmo é tão parecidos com a Grécia que não podem deixar de nos comparar com ela? Será que nos estão a mentir? Os políticos, os troikanos, os europeus, os mercados (se bem que nunca ouvi nenhum a falar, mas que se fala deles, isso fala), estarão todos eles a convencer-nos que estamos a fugir da situação dos gregos, quando afinal se estão a agarrar às ligeiras diferenças entre os nossos casos para nos convencer que tudo podia ser pior? Que temos que estar contentes com a forma como o nosso "ajustamento" está a decorrer? Que temos que evitar comparar-nos com a Grécia há anos atrás, para não repararmos que afinal a maior diferença entre nós é os anos que passaram primeiro por eles?
Mas falta ainda abordar a mais importante questão aqui, aquela que motivou a elaboração deste texto. Quem é a Grécia? O que é a Grécia? Como está a Grécia? Como vivem - ou sobrevivem - os gregos? É que de tanto nos compararem com a Grécia, é muito pouca a informação que temos sobre o país e as pessoas que lá estão. Ouvimos falar de algumas manifestações, por vezes "violentas" (tão violentas como as medidas que lhes são impostas?) sabemos, ou achamos que sabemos, que por vezes não cumprem o que lhes é exigido pela troika deles, dizem-nos que eram um país muito corrupto (ainda mais que nós!) e por fim ainda descobrimos que vão ter mais tempo para pagar a dívida a essa mesma troika, mas que isso é muito mau sinal porque os senhores mercados vão ficar chateados com eles muito mais tempo do que connosco. Saber isto, presumindo a veracidade das fontes, o que já é ir longe, está perigosamente próximo de saber nada. Sem comparações profundas, elaboradas, cuidadas, com a complexidade que exige a diferença entre dois países e duas situações como os nossos, a referência constante à Grécia não passa de mais uma forma de fingir que nos dizem muito, sem nos dizer nada, tentando transmitir uma tranquilidade sem raízes no conhecimento da realidade.

A Grécia, hoje em dia em Portugal, não é um país, não é um grupo são pessoas, não é sequer uma fonte de dados ou de aprendizagem. A Grécia é uma cortina de fumo, com que nos cobrem o caminho que percorremos, as opções de desvio e o resultado final. E nós, tal como carros a subir o alto de espinho no IP4, numa noite de inverno por entre chuva e nevoeiro, vamos confiando nas luzes que aparecem à frente e no pouco que vemos das guias brancas na estrada, deixando-nos andar a 50 km/h com deslizes por causa do gelo, à espera de chegar ao topo da montanha em vez do fundo do vale. 

The DAY I swapped my DAD for TWO GOLDFISH by Neil Gaiman and Dave Mckean


The name of this book was enough to convince me to read it. The fact that it was written by Neil Gaiman and illustrated by Dave McKean just raises my expectations through the roof. This is a book that follows a typical family, mom, dad, son and daughter, on the day that the son actually managed to swap his dad for a couple of goldfish. We can't blame him, though, his dad pays attention to one thing only: the newspaper. Why does he need him? At least goldfish are cool to look at. But then mom comes home and makes him give the fish back and retrieve his father. How could he do that? How could he ever even consider trading his own father? And his sister, how could she let him? The world isn't never as simple as that, though. The boy to whom he traded his dad quickly understood how useless he is and has already traded him with another. And this other... and the next... The kids spend their day looking for their father, from house to house. It seems that no one finds a use for such a thing as a newspaper reading dad and there is always someone willing to trade, the ones who don't have that dad do believe he must be good for something. In the end (SPOILERS HERE) they find him on a girl's house who left him in her rabbit's former fence, and he's eating a carrot and reading the newspaper. They bring him home and the boy promises he'll never trade his dad again, he understands his dad's value, he must be a very good dad, in order for his mother to be so mad and for him to have to go through so much trouble to retrieve him, newspaper and all. He never promised not to trade his sister though, and she has been threatening to spread some rumours about him around the school so...

The illustration is, as usual from McKean, perfect. Even the lettering here adds to the feeling. The fact that the mother and father are never really characterized - the father never peeks from behind the newspaper - indicates a generalized interpretation is warranted. This story is about any dad, any mom, any children who feel in some way ignored by their parent and obviously answer in the same way, feeling the uselessness of that person in their house, considering how they would be better of with their neighbour's really cool pet, or toy or whatever. Add those details that determine the flow of the story and have the reader look around, such as "said my sister" written below and outside her speech balloons, and you got yourself a really good, fast paced, but also witty and interesting read.

This must be a really fun story to read as a kid or to a kid, but an adult also has something to think about after reading this. Isn't the boy right? From his point of view, how could he not trade dad for the goldfish? And in the end, even if we tell him how important a parent is, does he really understand? Or does he only get that it is forbidden for some reason. It's hard to make children accept these ideas that we take for granted, such as the importance of parents, when we don't show it on a daily basis in a way that they get to feel it for themselves.

Saturday, 15 December 2012

The Hobbit: An Unexpected Journey by Peter Jackson

Sou fã de Tolkien e da trilogia Lord of The Rings de Peter Jackson. Teria por isso enormes expectativas em relação ao The Hobbit, não fosse por saber já que este filme é somente a primeira parte de mais uma trilogia. Já li o livro há dez anos, mas ainda me lembro o suficiente para saber que não fornece argumento para três filmes de três horas.

The Hobbit: An Unexpected Journey deu-me razão e este tornou-se a minha maior crítica ao filme: a história teve que ser arrastada para durar as três horas e mesmo assim não me parece que tenha sobrado material suficiente para outros dois. The Hobbit podia e devia ter sido planeado para dois filmes, eliminando a necessidade de preencher tempo com cenas, lutas e caminhadas desnecessárias. Tenho que admitir que ver a Nova Zelândia é sempre uma maravilha e que as referências aos filmes anteriores são uma delícia, mas ainda assim, preferia que fosse o enredo deste filme a ser a principal motivação para eu estar colado ao ecrã. Há duas cenas em especial que deveriam ter sido diminuídas ou excluídas, a introdução (por mais engraçado que seja ver o Frodo e fazer a ligação com a outra trilogia) e a luta das "montanhas". Estes humanóides gigantes feitos de rocha a batalhar sabe-se lá porquê resultam bem melhor num livro do que visualmente e geraram uma das situações mais dramáticas e menos credíveis do filme.

Fora este problema e mais alguns pormenores, gostei muito de An Unexpected Journey e vou tentar falar mais dos pontos positivos.
Quanto às personagens, começo por Ian Mckellen. O Gandalf é a alma deste filme, é o que lhe dá sentido e consistência e o actor é absolutamente genial na sua interpretação. Obrigado Ian Mckellen e os meus parabéns. Não quero com isto dizer que os restantes actores não estiveram bem, muito pelo contrário. Martin Freeman foi um bom Bilbo Baggins, muito embora esta primeira parte pudesse ter explorado melhor a sua transformação fruto da luta interior entre o medo e o espírito aventureiro. O Thorin também foi bem interpretado por Richard Armitage e lembrou-me a sensação com que fiquei quando li o livro. O príncipe é um idiota imaturo a maior parte do tempo e precisa que alguém lhe atire com a realidade à cara de forma a perceber que tem que ouvir os outros e pensar um bocado antes de tomar decisões e dar ordens. Este filme não é no entanto o melhor para conhecer esta personagem, dado que a sua evolução é essencialmente depois do momento em que acabou a primeira parte. O resto dos anões são precisamente o que eu estava à espera, uma companhia, um grupo alegre de amigos que se lançam nesta aventura principalmente porque querem seguir Thorin e não tanto por vontade de vingança ou pela necessidade de reconquistar a pátria perdida (embora também sintam isso). São a principal fonte de comic relief do filme e muito eficazes nesse sentido. Claramente estou em discordância com muitos críticos neste ponto, mas eu não senti a necessidade de maior desenvolvimento destas personagens individualmente. Parece-me que até resultam melhor como grupo e penso que tenham sido escritas mesmo com essa intenção, embora haja uma ou outra característica que os distingue (o gordo, o velho, o que tem pontaria com a besta, etc.). Também gostei dos três trolls e do rei gordo dos goblins, embora a cena de luta e fuga das cavernas tenha demorado demais. Não posso igualmente esquecer Radagast o feiticeiro castanho, tão peculiar e engraçado como eu esperava, e também Gollum, mais uma vez interpretado genialmente por Andy Serkis mas agora com uma imagem melhorada.
Foi muito bom ver novamente Cate Blanchett, Hugo Weaving e Christopher Lee - Galadriel, Elrond e Saruman - na reunião do Conselho Branco. No entanto Saruman pareceu-me demasiado presunçoso perante os restantes e a deferência de Gandalf em relação a Galadriel foi exagerada, considerando quem ele é realmente. Se isto é de facto o início do enredo para o segundo ou terceiro filme, então posso dizer que foi bem introduzido.
Ao mais alto nível, tal como as paisagens neozelandesas e o CGI, está a música de Howard Shore, que junto com as imagens da terra média me levou a sentir-me de volta a casa.
Quanto ao enredo propriamente dito, consiste quase directamente no que me lembro do livro, com uma ou outra cena adicionada. De destacar aqui a presença de Azog, adaptada de duas personagens diferentes na história de Tolkien (Azog e o filho), de forma a criar um anátema para concentrar as atenções da audiência e permitir situações de drama e vingança pessoal que de outra forma seriam reservadas apenas para os outros dois filmes. Pareceu-me esta opção um excesso desnecessário, o enredo estava bem para primeiro filme sem este novo inimigo, mantendo apenas os trolls, os wargs, o rei dos goblins das cavernas, Gollum e a referência distante a Smaug e a um mal ainda pior. De resto, a história é desenvolvida lentamente, tal como já expliquei acima, mas ainda assim é consistente e um bom argumento para uma primeira parte de uma trilogia de aventura e fantasia.

Uma triste nota final, mas que não posso deixar de fazer, é que houve um erro sistemático na legendagem em português, trocando Erebor por Eriador. Ora Eriador é o nome de uma enorme região da terra média, que inclui o Shire e territórios envolventes, entre as Montanhas Nebulosas e as Montanhas Azuis e entre o antigo reino de Angmar e Gondor, muito diferente de Erebor, a Montanha Solitária que os anões querem de facto conquistar.

Depois de ter visto e adorado o Lord of the Rings, não posso deixar de compara-lo com The Hobbit: An Unexpected Journey. Isto e o facto de ter gostado muito do livro e por isso não conseguir evitar criar alguma expectativa, levaram a que eu tenha aparentemente muito mais de mau do que de bom a dizer do filme. Por isso tenho que ressalvar, em jeito de conclusão, que este foi um bom filme, que vale muito a pena ver para quem é fã de Tolkien e Peter Jackson e até mesmo, embora nem tanto, para fãs de aventuras e fantasia que não conheçam os livros ou a trilogia de filmes anterior. Os seus pontos fortes são sem dúvida o visual (a caracterização, a filmagem, os efeitos digitais), a música e os actores (tenho que lembrar novamente o Gandalf e o Gollum). Os pontos fracos seriam todos resolvidos com uma só alteração: fazer dois em vez de três filmes.

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I'm a huge fan of Tolkien and of the Lord of the Rings film trilogy by Peter Jackson. I'd have gone to the cinema with great expectations if not for knowing that this was only going to be the first part of another trilogy. I've read the book a decade ago, but I can still tell there's not enough plot to convert it into three films.
This first part, The Hobbit: An Unexpected Journey, proved me right and this is my main criticism to the film - the story is dragged out to last the 3 hours and still probably not leave enough material to give us another two parts. This a story that can and should have been planned for two films. As it is, the viewer has to endure through too many filler scenes. One must admit that New Zealand is insanely beautiful and that references to the Lord of the Rings are a treat, but when we watch a film, we don't want a documentary, we want its own particular plot to be the main interest and drive us through the three hours it lasts. There are two particular scenes that could have been reduced or outright removed from the script. The first one is the introduction: though it's nice to remember Frodo and Bilbo from LotR, I didn't need such a long scene, more so when this is a 3 hour story where that particular part doesn't fit at all. The second is the earth/rock elementals' fight. First of all, it works better written than seen. Then, it's totally unnecessary, hardly believable and overly dramatic compared with the rest of the film. Many other moments could have been shorter and simplified without any loss of plot or character development.

Now to speak more of what I enjoyed, because I must say that in spite of all I've said, An Unexpected Journey is a good film and I really liked watching it.
I must begin with addressing the characters and actors and, before anything else, give all the praise I can to Ian Mckellen. He is the soul of this film, not only because it's his character - Gandalf - that holds the story together, but because he acts as no other on this and most films nowadays. Thank you. Don't get me wrong though, I did like the rest of the cast. Martin Freeman is a good Bilbo, though I'd have liked the first film to focus on his inner struggle a bit more, his fear versus his adventurous spirit playing out and creating the hobbit we see by the end of the film. Thorin was also well interpreted by Richard Armitage, giving precisely the same impression the character had left on me in the book. Thorin is an immature bully most of the time and needs to be smacked on his face with reality before he understands he has to listen to others and think before deciding and ordering everyone around. This first story is not really friendly towards his character because most of his evolution is beyond this part of the plot. The rest of the dwarves are precisely what I expected and I say this in every possible sense. They are mostly seen as a company and a merry group of friends with a common goal that are there more because they want to follow Thorin than any revenge or need to belong to a place (not that they don't feel that too, of course) and provide good comic relief. I know I disagree with most of the critics saying that in three hours we should have had more character development, because I believe that those dwarves were never created as individuals, but as a group where each one is rarely memorable but has one or two different traits (Kili is good with a crossbow, Bombur is fat, Balin is older, etc.).  I also liked the three trolls and the fat goblin king, though the fighting scene in the goblin caves lasted too long. One can't forget Radagast the Brown who was as quirky as I imagined and made me smile often and also Andy Serkis who is as good as always as Gollum, though this time he looks even better.
It was very nice to see Cate Blanchett, Hugo Weaving and Christopher Lee back as Galadriel, Elrond and Saruman, at the White Council meeting. Though I feel Saruman was too smug and Gandalf's deference to Galadriel was a bit too much, considering who he really is. If I'm right and this is the beginning of the plot line for the second or the third films, it was quite well introduced.
Right there with the beautiful landscape and really good CGI we have another marvellous contribution to the film in Howard Shore's score. It was when his music connected with the visual Middle Earth that I really felt I was there and back again.
On the plot itself, this is The Hobbit through and through, with few things added, only one of them really unnecessary, Azog the Defiler. I understand the argument cut in three felt to far from Sauron or Smaug to use them as main antagonist in the first part, but the journey itself, the goblin king and even the - again - amazing Gollum were more than enough. The story is, as I said before, developed slowly, but it's still a fairly good adventure plot for a film that is never supposed to close plot lines.

After having seen and really loving the Lord of the Rings, one can't help but compare The Hobbit: An Unexpected Journey with the previous trilogy. This and the fact that I like the book and can't help but have some expectations about its adaptation, are the reasons for me apparently having a lot more bad than good things to say about it. So don't get me wrong, this is a good film, worth watching for Tolkien and Peter Jackson's fans and even (though not nearly as much) for adventure and fantasy fans new to Middle Earth. Its strong points are undoubtly the visuals, the music and the acting (more praise to Gandalf and Gollum). Its weak points would all be solved with one single decision: making two instead of three films.