A vida é de facto impressionante e os seres humanos são capazes de nos surpreender, tanto para o bem como para o mal, sejamos optimistas, pessimistas ou mesmo autênticos misantropos.
Num mesmo dia, é possível:
- dizer a uma pessoa que tem um cancro e orientá-la com a máxima urgência para a consulta hospitalar;
- falar com uma filha sobre a doença degenerativa da sua mãe que a acamou, depois de ela ter visto a mãe quase a morrer asfixiada;
- intercalar estas coisas com duas dezenas de consultas incluindo de grávidas todas contentes e recém-nascidos celebrados;
- falar com uma pessoa que já tentou o suicídio mais que uma vez sobre as suas perspectivas de vida, entre ir estudar para fora e matar-se;
- diagnosticar uma gravidez inesperada;
- E, depois de tudo isto, ao partilhar um destes momentos, ler alguém a desvalorizar completamente a minha profissão com um displicente "MGF nem chateia muito".
Não venho para aqui defender a Medicina Geral e Familiar, ou sequer a medicina. Nem é preciso. Só quero partilhar, tanto quanto possível, a sensação que fica depois de um dia de trabalho como este. Valha-me o sorriso do senhor que, apesar do seu cancro, me diz obrigado e boa semana. Valha-me conhecer uma filha que luta com tudo o que tem e o que não tem pelo conforto da sua mãe que já não tem como se defender e me pede desculpa porque ocupei toda a minha hora de almoço a ouvi-la. Valha-me a sensação de que posso ter contribuído minimamente para ajudar uma pessoa cuja vida está no fio da navalha. Mas valham-me também os idiotas, para eu nunca me esquecer, nem por um dia, que os humanos são o trigo e o joio, a paz e a guerra, os médicos sem fronteiras e o genocídio. Somos o bem e o mal, somos o génio e a besta, somos por vezes, para nós mesmos, o tudo e o nada.
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