Thursday, 7 August 2014

Auditoria do Tribunal de Contas às unidades funcionais de cuidados de saúde primários (2)

Continuo a análise iniciada aqui.


5.2 - Análise de custos: comparação USF vs UCSP (centros de saúde tradicionais)

"Nas USF do modelo B, as poupanças significativas obtidas no que respeita aos custos unitários com medicamentos e com MCDT, sobretudo face às UCSP, são em parte absorvidas pelos maiores custos com pessoal, particularmente se considerado o custo por utente utilizador. Dos cerca de €27 euros por utilizador poupados em termos de prescrição de medicamentos e MCDT, cerca de €18 (66%) são absorvidos por aumentos dos custos com pessoal.

Não havendo avaliação dos eventuais efeitos das poupanças obtidas, na prescrição de medicamentos e MCDT, nos resultados em saúde, nem formas de aferir a razoabilidade dos níveis de prescrição de cada unidade, dada a inexistência de padrões clínicos de referência, não se pode concluir que os custos unitários mais baixos apresentados pelas USF representem um ganho efetivo.

Acresce que as diferenças nos custos unitários com medicamentos e MCDT devem ter uma importância relativa em termos da avaliação das unidades funcionais ou da avaliação da eficiência do modelo de gestão das USF, dado que os níveis de prescrição tenderão a convergir para um nível adequado, independentemente da unidade funcional em questão, a menos que as diferenças se justifiquem em fatores de contexto, nomeadamente as características da população servida. Ao comparar diretamente os custos unitários, interessa pois enfatizar as despesas com pessoal e relativizar os custos com medicamentos e MCDT. Note-se que se apurou um diferencial significativo entre os custos com pessoal nas USF modelo B face aos custos das UCSP e sobretudo aos custos das USF modelo A."

Portanto, o próprio TdC demonstra que neste momento as USF poupam mais do que o que gastam a mais com pessoal, ou seja, diminuem os gastos do SNS. Questiona entretanto se esta redução à custa de medicação e meios complementares de diagnóstico é correcta do ponto de vista da saúde, que se vê incapaz de aferir pela falta de padrões clínicos de referência. Pois é, isto da saúde é mais complicado que somar e subtrair e o que é exigido às USF é que reduzam os custos para um valor x por utente inscrito, seja lá como for. Só podemos confiar que os médicos o façam pela reavaliação constante das indicações das várias medicações dos seus utentes, da sua opção pela forma mais barata de obter a mesma eficácia de tratamento, e que a limitação à prescrição de exames não ultrapasse os limites do razoável.
Por outro lado, é um facto de que se pode prever que as UCSP venham, em parte, a conseguir reduções de custos nestas áreas. Mas é por isto que vale a pena lembrar ao TdC que as UCSP e USF não diferem só em nome e sistema remuneratório. Nas USF, onde se trabalha com lista de utentes, é muito mais provável conseguir-se esta actividade bem planeada do que nas UCSP. E mais, faltou ao Tribunal de Contas ter em conta - vejam lá - que as USF podem ter outros efeitos benéficos, por exemplo ao nível dos resultados em saúde, na qualidade de vida dos seus utentes e nas poupanças do SNS a longo prazo pelo melhor seguimento de certas doenças. Antes de comparar investimentos com somas e subtracções, é preciso perceber todos os resultados de cada parte. Para já, o que podemos dizer é que as USF poupam dinheiro ao mesmo tempo que cumprem indicadores pelo que seriam, nesse sentido, o modelo a seguir. Outros efeitos só poderão ser avaliados a longo prazo.


Segue-se a comparação de custos entre os três modelos:






"Nas USF modelo B os acréscimos à remuneração do pessoal médico representam 203% da remuneração base recebida e os acréscimos à remuneração do pessoal de enfermagem e assistente representam 95% e 82% da remuneração base auferida, sugerindo que existe alguma desproporção entre o valor dos salários base e os valores das restantes componentes remuneratórias."

Estes gráficos confirmam o que se disse antes. Estamos a pagar mais ao pessoal que consegue menos gastos em saúde (se tivermos em conta que as USF modelo A são modelos de transição para B e não têm estes resultados por si só).
Aqui é necessário lembrar duas coisas.
A primeira é que não há qualquer problema nesta desproporção entre a remuneração base e os suplementos, até porque é mais próximo da meritocracia que tanto se apregoa. Desde que o salário base seja decente, não vejo qualquer problema em deixar grande parte da remuneração para os suplementos por ónus ou por desempenho.
A segunda é que não se pode presumir, como o TdC faz, que estes resultados podiam ser conseguidos sem os suplementos. A não ser que se esteja a ponderar forçar os médicos e utentes a poupar à força do chicote. É que se esquece insistentemente que este suplemento que o médico recebe caso consiga manter os restantes indicadores e gastar menos que x é uma passagem do ónus da decisão para o médico, de forma que ele negoceie com os seus utentes a progressiva alteração da sua medicação, da sua vigilância, das suas expectativas, porque se não o fizer é o próprio que não ganha (e o SNS que perde). Um modelo diferente implica ter um tecto de gastos e os médicos passarem o ano a cortar em tudo o que podem para não serem disciplinados ou demitidos ao final caso ultrapassem o limite de gastos. É isto que queremos? Obviamente que não.
Mais sobre isto na análise do próximo ponto.

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