Monday, 29 July 2013

Hän Solo de Rui Lacas

Ora aqui está uma BD que li apesar de ter sido desaconselhada. A verdade é que gosto de ir dando uma vista de olhos ao que é publicado a nível de banda desenhada em Portugal e ainda que os primeiros leitores de Hän Solo me tenham dito que não valia a pena o esforço, a minha teimosia venceu, agora que a minha memória foi reavivada pelo facto deste livro ter sido premiado numa convenção de BD recente.
Hän Solo é um trabalho que versa um momento da vida de Hän, um holandês bipolar que depois de fazer Erasmus em Portugal acaba por decidir cá ficar a tentar a sua sorte. Rui Lacas tem aqui uma base que lhe permitiria imensas possibilidades de exploração, desde a situação de um estrangeiro em Portugal, o preconceito, a xenofobia ou a aculturação; a relação amorosa estranha com uma portuguesa; o facto de querer trabalhar como fotógrafo, a desvalorização da profissão, os problemas de desemprego jovem; a doença bipolar em si ou a sua relação com todos os restantes problemas de Hän. A verdade é que o autor falhou em toda a linha. Depois de criar esta personagem, todas estas coisas foram simplesmente atiradas para o enredo - ou falta dele - até se alcançar um final que resolve uma parte dos problemas quase por magia ou acaso e ignora os restantes.
A ilustração é mediana, sem ser original nem interessante nem especialmente mal conseguida.
Assim sendo, só me falta perceber como é que esta obra foi sequer nomeada para prémios como melhor arte, melhor publicação nacional ou, pior ainda, melhor argumento. Menos ainda percebo como é que o público votou de forma a esta obra ser a vencedora destes três Troféus Central Comics, especialmente considerando que conheço muitos dos outros nomeados e que são trabalhos bastante superiores.
Não recomendo perder tempo com esta obra, a não ser que tenham uma obsessão por conhecer tudo o que é publicado em Portugal.

Quote / Citação (6)

"Back in '95, Nansen's plan on his final northward journey was eventually, as the total load grew lighter, to kill sled dogs one by one and feed them to the rest. At first, he reported, the other dogs refused to eat dog-flesh, but slowly they came to accept it."
"Suppose it were to happen to us, in the civilized world. If 'another form of life' decided to use humans for similar purposes, and being out on a mission of comparable desperation, as its own resources dwindled, we human beasts would likewise be slaughtered one by one, and those still alive obliged to, in some sense, eat their flesh."
"Oh dear." The General's wife put down her utensils and gazed at her plate.
"Sir, that is disgusting."
"Not literally, then... but we do use one another, often mortally, with the same disablement of feeling, of conscience... each of us knowing that at some point it will be our own turn. Nowhere to run but into a hostile and lifeless waste."
"You refer to present world conditions under capitalism and the Trusts."
"There appears to be little difference. How else could we have come to it?"
"Evolution. Ape evolves to man, well, what's the next step - human to what? Some compound organism, the American Corporation, for instance, in which even the Supreme Court has recognized legal personhood - a new living species, one that can out-perform most anything an individual can do by himself, no matter how smart or powerful he is."

Thomas Pynchon, Against The Day (2006)

Wednesday, 24 July 2013

Skim by Jillian and Mariko Tamaki

Pedi Skim emprestado depois de ler esta opinião. Esta banda-desenhada usa a vida de uma rapariga de 16 anos com excesso de peso e a tentar tornar-se uma bruxa Wiccan para fazer uma exploração de várias vertentes da adolescência.
A história de Skim - igualmente a alcunha pelo qual a personagem principal é conhecida - está num ponto de viragem. Ao longo do livro ela é exposta a situações que vão tocando, mais ou menos superficialmente, em vários dos reconhecidos dramas da adolescência. Fala-se da aceitação pelos colegas, da ideia de normalidade e preconceito, de paixão, de auto-descoberta, de amizades verdadeiras ou de circunstância, de vontade de desaparecer ou de suicídio. Os três principais paralelos que sustentam esta exploração são o suicídio de um colega, a paixão por uma professora e a amizade estranha e assimétrica com Lisa. O ritmo do desenvolvimento da história é estruturado pelos momentos em que Kim escreve no seu diário, momentos esses que originam páginas com organização diferente das típicas vinhetas e que incluem comentários que mostram as várias coisas que ela vai descobrindo ou concluindo. Estes são frequentemente irónicos e vão ajudando a transmitir a mensagem do livro ao leitor.
A ilustração é eficaz embora não especialmente bonita ou original.
Skim é uma BD sobre a adolescência que lembra e comenta os vários problemas associados à sua vivência e arranha algumas lições sem ser paternalista e sem se deixar cair no dramatismo tão frequentemente associado a histórias nesta faixa etária, sem dúvida de interesse a fãs do meio ou da temática, ainda que fique aquém do seu potencial no que toca à profundidade de análise.


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I borrowed Skim after reading a friend's review. This graphic novel uses the life of a 16 year old overweight Wiccan-in-training girl to explore various aspects of being a teenager.
The story of Skim - also the girls nickname - is at a turning point. Throughout the book she experiences some situations that question the typical dramas of adolescence. Themes such as peer acceptance, normality and prejudice, passion, self-discovery, true or circumstantial friendships or the will to disappear or suicide are tackled more or less superficial as the story progresses. The three main issues that support this exploration are a friend's suicide, falling in love with a teacher and a strange asymmetric friendship with Lisa. The pace is set and kept by moments when Kim writes on her diary, in pages with a different organization and illustration, which include comments that show what she is learning or discovering and, with no lack of irony, help to transmit the message to the reader.
The illustration is effective though not specially beautiful or original.
Skim is a graphic novel about teenage that goes through multiple of its characteristic problems and points to some lessons though never feeling patronizing or overly dramatic, doubtlessly of interest to fans of comics or of this theme, despite not being as deep in its analysis as it could have been.

Monday, 22 July 2013

Bloodlight - The Apocalypse of Robert Goldner by Harambee K. Grey-Sun

Bloodlight foi mais uma aposta no NetGalley. O autor propõe-se a escrever uma obra de ficção que lhe permita explorar simultaneamente a vida de um adolescente inseguro e questões metafísicas como a religião e o conceito de realidade. Se a ideia do autor me agrada bastante, infelizmente o resultado final ficou bastante aquém das expectativas.
O livro de Grey-Sun é uma história de fantasia que se aproxima bastante da literatura weird sem no entanto ser tão eficaz a transmitir sensações como escritores de horror que li anteriormente como H. P. Lovecraft ou Laird Barron. A fantasia que tem por base a religião cristã não é tanto uma exploração da religião mas uma simples transformação conceptual de algumas das suas figuras para dar contexto à história. Robert Goldner, a personagem principal, é um adolescente de 17 anos com graves problemas de auto-confiança e uma ideia estranha e imatura de afirmação pessoal que se torna plausível num contexto de bullying e racismo e numa escola completamente dividida em grupos quase estanques como estamos habituados a ver em filmes ou séries sobre adolescentes americanos. Como personagem principal, Robert não me convenceu e a sua história de insegurança não tem, em si, especial novidade que a distinga de tantas outras.  Enquanto lida com a sua vida já de si complicada, Robert começa a sentir alucinações cada vez mais vívidas e complexas e é na descrição destas que o livro se destaca. Por um lado, há que admitir a enorme imaginação do autor na criação das várias alucinações e na forma como conseguiu que algumas acabassem por fazer sentido tendo em conta o final. Por outro lado, há uma tal quantidade de momentos alucinatórios que as suas descrições ao pormenor se tornam cansativas e desnecessárias.
A prosa de Grey-Sun não é de resto especialmente bem conseguida, nem no que toca à narração nem no que toca ao pensamento da personagem principal. Os diálogos são em geral simples e directos, adicionando pouco à história que não uma interrupção da narração.
Ainda que não terrível, Bloodlight foi, por tudo isto, uma leitura desapontante que não atingiu os objectivos que o autor definiu e que me tirou a vontade de ler a trilogia da qual é prequela.


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Bloodlight was another NetGalley bet. The author set himself to write a work of fiction that would allow him to explore simultaneously the insecurities of a teenager and metaphysical issues such as religion and reality. If this idea seemed really good, unfortunately the final result ended up being below expectations.
Grey-Sun's book is a fantasy history quite close to weird fiction though far from the effectiveness of horror writers I've read before such as H. P. Lovecraft or Laird Barron. The fantasy has its basis on christianism but it's not so much an exploration of religion but a simple transformation of some of its faces to give this story context. Robert Goldner, the main character, is a seventeen year old boy with severe issues of self-confidence and an odd concept of self-affirmation that is believable considering a context of bullying and racism and a school divided in cliques typical of american teen TV series. As the main focus of the story, Robert didn't grab me and his story doesn't differ from so many others about these issues that abound nowadays. While he deals with his already complicated life, Robert starts having hallucinations that grow more vivid and complex and its in their description that the book stands out. On one hand, one must admit the author's huge imagination shown by these hallucinations and by his ability to create some delirious moments that actually make sense considering the ending. On the other hand, the hallucinations where often overdone and the moments are so frequent that their descriptions end up being boring and unnecessary.
Grey-Sun's prose isn't specially well achieved neither in event narration nor in the wording of the main character's thoughts. The dialogues were in general simple and straightforward, adding little or nothing to the story apart from a needed interruption to the otherwise never-ending narration.
Although not terrible, Bloodlight was a disappointing read that failed to achieve the author's purposes and ended up making me give up on reading the trilogy that follows this prequel.

Friday, 19 July 2013

O Baile por Nuno Duarte e Joana Afonso

Fiquei interessado nesta BD pela sua ilustração e a leitura mostrou-me que a minha primeira impressão foi certeira.
O Baile é uma história de horror em que um inspector da PIDE se vê a braços com zombies, como a capa já dá a entender. O argumento de Nuno Duarte é simples, sem especiais erros a apontar mas igualmente sem nada a destacar. As personagens não têm tempo de ser exploradas mais do que superficialmente e até a personagem principal passa a história a ser empurrado pelo enredo até ao final. O próprio não é especialmente original, sendo no fundo mais uma versão das histórias de bruxaria em que o culpado, lembrando os policiais, é revelado num clímax final.
Por outro lado, o desenho de Joana Afonso é a jóia deste livro. Com um traço diferente do habitual, a autora tem uma excelente capacidade de contar a história por imagens, como compete a um ilustrador em banda-desenhada. As cores que complementam o desenho estão adequadas à historia e ao contexto proposto.
Sendo assim, um livro a que vale a pena dar uma oportunidade essencialmente pela arte gráfica, com uma história que entretém sem surpreender. Estarei atento a novos trabalhos de Joana Afonso.

Monday, 15 July 2013

14 by Peter Clines

Decidi requisitar este livro no NetGalley por ter lido um comentário de um autor dizendo que seria uma leitura ao estilo de Lost. De facto, a estrutura da história lembra facilmente a série, mas as semelhanças ficam-se por aí. Peter Clines não tem a subtileza do suspense da série e cruza o seu mistério com outros estilos de horror, de forma que o resultado final é algo estranho.
14 é a história de como a chegada de Nate ao edifício Kavach despoleta uma série de investigações dos inquilinos sobre a sua casa, culminando não só na descoberta do que o Kavach é mas também na possibilidade de se destruir a humanidade.
O prédio é, de facto, muito estranho. Nenhuma das pessoas que lá vive tem sonhos durante a noite, há baratas verdes com pernas extra, cada apartamento tem um tamanho e organização diferentes e há portas trancadas para nunca serem abertas. Facilmente se compreende como os inquilinos não conseguem segurar a sua curiosidade e, à medida que vão ganhando confiança uns com os outros, vão formando um grupo de investigadores à revelia do encarregado que parece estar determinado a impedi-los.
A escrita de Clines é pouco elaborada e as suas personagens são em geral simples peões num enredo em que a estrela é sem dúvida o edifício. Nota-se que este livro é, essencialmente, fruto da sua vontade de contar esta história, não havendo espaço para especial evolução das personagens que a povoam, com a notável excepção de Nate. O mistério é interessante e vai sendo revelado aos poucos, nunca deixando o ritmo abrandar mas sem revelar demasiado do que se espera ser o final. Tentando não contar demasiado para não estragar a leitura aos interessados, limito-me a dizer que podem contar com uma mistura entre Lost, steampunk e H.P. Lovecraft. O livro está pejado de referências à cultura popular e geek actual, desde Lost e Fringe a Star Trek ou Twilight Sone, ao ponto de se tornarem cansativas. Gosto bastante de detectar referências nas minhas leituras mas quando isso parece ser o único ornamento da escrita do autor a piada sucumbe à exaustão.

Para quem não se incomodar com SPOILERS, há mais a dizer sobre a obra de Peter Clines. Um ponto positivo é o seu tratamento das relações interpessoais. Não lhes dá demasiado foco mas mostra a sua influência nas decisões das personagens e não se preocupa com encaixes bonitos ou lições de moral. Um homem acha uma mulher atraente mas acaba por se apaixonar por outra, sem que nenhuma tenha que ser melhor ou pior pessoa, simplesmente porque acontece. Um ponto negativo é o final mal explorado, em que criaturas imortais capazes de viagens interdimensionais são burras ao ponto de dar tempo e oportunidade aos humanos para lhes impedir a entrada na Terra.

Não sendo uma obra-prima, 14 é no entanto competente como entretenimento, segurando o leitor migalha a migalha e sempre com algo inesperado à espreita, resultando numa leitura leve e rápida. Ponderaria ler outros trabalhos do autor, em especial se os soubesse mais refinados ao nível da escrita.


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I decided to request this book on NetGalley after reading a comment which stated it was similar to Lost. In fact, the structure of the story reminds one of the TV series, but Peter Clines doesn't have the subtlety of its suspense and he crosses his mystery story with horror which ends up originating a rather weird novel.
14 is the story of how Nate moving into the Kavach building starts a chain reaction of events that culminate in the tenants discovery of exactly what is Kavach but also on the possibility of bringing about the end of humanity as we know it.
The building is in fact really weird. None of the tenants have dreams at night, there are green cockroaches with extra legs, each apartment has different size and organization and there are doors locked so they would never be opened. One can easily understand how they can't get a grip on their curiosity and, as they get to know each other, eventually become a group of investigators, much to the despair of the caretaker.
Clines' writing is simple and straightforward and his characters are generally all but pawns to his plot where the true star is the building itself. One can tell the book is, in essence, the result of the authors will to tell this story, without much dedication to the evolution of the characters, with the notable exception of Nate. The mystery is interesting and is revealed step by step, never slowing down the pace or showing too much of what's ahead. Trying not to spoil too much, if you're going to read 14 expect a mix of Lost, steampunk and H.P. Lovecraft. The book is teeming with cultural and geeky references, from Lost and Fringe to Star Trek and Twilight Zone, to the point where they become tiresome. I usually enjoy finding these small nods to cultural icons but when that is the author's sole means of adorning his text, the fun is drowned by exhaustion.

For those who don't mind SPOILERS, there's of course much more to say about 14. One of its strengths is his approach to human relations. He doesn't give them centre stage but he does show their influence on people's decision-making and he avoids those typical fittings or moralised endings. A guy finds a woman attractive but he ends up falling in love for another, not because one of them is shown to be better or worse, but simply because it happens. A weakness would be the ending, where immortal inter-dimensional travellers are dumb enough to give the puny humans time and chance to stop them from entering Earth.

Far from being a masterpiece, 14 is still competent as entertainment, leading the reader with breadcrumbs of revelations and always something unexpected waiting just around the corner, resulting in a quick and light read. I might read other works by Peter Clines, if I knew them to be more refined in terms of writing.

Friday, 12 July 2013

Quote / Citação (5)

"For the rest, she grew used to the life that she was leading - used to the enormous sleepless nights, the cold, the dirt, the boredom, and the horrible communism of the Square. After a day or two she had ceased to feel even a flicker of surprise at her situation. She had come, like everyone about her, to accept this monstrous existence almost as though it were normal. The dazed, witless feeling that she had known on the way to the hopfields had come back upon her more strongly than before. It is the common effect of sleeplessness and still more of exposure. To live continuously in the open air, never going under a roof for more than an hour or two, blurs your perceptions like a strong light glaring in your eyes or a noise drumming in your ears. You act and plan and suffer, and yet all the while it is as though everything were a little out of focus, a little unreal. The world, inner and outer, grows dimmer till it reaches almost the vagueness of a dream."

George Orwell, A Clergyman's Daughter (1935)

Monday, 8 July 2013

The Classic Horror Stories by H.P. Lovecraft

Mais um livro que requisitei no NetGalley, este porque nunca tinha lido H.P. Lovecraft. Já tinha intenção de me dedicar às suas histórias, até porque já li obras influenciadas por elas (é quase impossível escapar-lhe) e uma colecção das mais relevantes pareceu-me uma óptima forma de o fazer. Já noutras opiniões disse que o horror não é a minha praia, mas devo dizer que Lovecraft me surpreendeu pela positiva também nisso: as suas histórias são mais ao estilo "weird" do que propriamente horror, o que as tornou mais interessantes para mim.
Esta colecção começa por uma excelente introdução por Roger Luckhurst que contextualiza o leitor sem ser demasiado reveladora quanto às histórias que se seguem e termina com mais notas explicativas. A contribuição de Luckhurst é um dos pormenores que distingue esta de outras colecções de trabalhos de Lovecraft, dando-lhe uma componente quase académica mas longe de ser aborrecida. Há uma constante intenção de ajudar o leitor a perceber o texto como ele foi escrito. E nesse sentido - outro pormenor que distingue esta colecção - houve uma tentativa de reproduzir a obra o mais fielmente possível, tentando eliminar as alterações que foram feitas pelos diferentes editores que as publicaram inicialmente.
O livro inclui as seguintes histórias: The Horror at Red Hook, The Call of Cthulhu, The Colour out of Space, The Dunwich Horror, The Whisperer in Darkness, At the Mountains of Madness, The Dreams in the Witch House, The Shadow over Innsmouth e The Shadow out of Time. Há ainda um excerto do seu ensaio sobre o horror na literatura, Supernatural Horror in Literature.
Se a nível de interesse informativo e cultural, este foi dos livros mais importantes que li nos últimos tempos, a nível das histórias a minha opinião já não é tão homogénea. Por um lado, reconheço que Lovecraft é provavelmente o autor mais eficaz a criar um ambiente de estranheza e uma sensação de intrusão e imprevisibilidade que já li. Por outro lado, o exagero de adjectivos e a sua repetição - em especial de história para história - tornam-se frequentemente cansativos e prejudicam a leitura. A meu ver, o estilo funciona melhor em textos curtos e provavelmente lidos isoladamente, tal como foram publicados. Posto isto, percebe-se porque é que o que menos gostei foi At the Mountains of Madness, que embora seja dos seus trabalhos mais conhecidos é igualmente dos maiores e acabou por me aborrecer a meio da leitura.
H.P. Lovecraft concentra-se num tipo de medo diferente do habitual nas histórias mais tradicionais - de pendor religioso - ou mesmo nas actuais, que se concentram na sensação de encurralamento e de inimigos que se dissimulam no meio de nós. O medo das histórias de Lovecraft não se associa a nenhum castigo, a nenhuma culpa nem necessariamente a nada de humano. Vem do exterior, de fora da Terra, de fora da nossa "dimensão" até fora da nossa compreensão. Os seres que constituem o terror da obra de Lovecraft têm uma descrição quase inacreditável, tal é a estranheza do seu organismo. Há uma associação destes seres (com os quais Lovecraft criou toda uma estrutura interrelacionada que originou o que se chama mais tarde o Cthulhu Mythos) com cultos ou bruxaria, numa tentativa de aumentar a plausibilidade da história. As criaturas têm atitudes incompreensíveis, vivem ao longo de eras o que lhes dá uma visão distinta da sua própria existência e têm capacidades muito para além das nossas. O que é comum a todas as suas aparições é a sensação de estranheza da personagem narradora, como se o seu mundo estivesse a ser invadido por algo que não tem capacidade de entender e que, talvez por isso mesmo, o aterroriza imediatamente. Lovecraft transmite, mais do que medo, uma certa insanidade, através de um misto de dúvida e expectativa associadas a uma informação propositadamente pouco focada e sobre-adjectivada que deixa o leitor próximo da náusea.
Estas são histórias que presumem ultrapassados os medos medievais do moralismo religioso, da culpa própria, dos demónios que seduzem ou castigam, dos fiéis salvos e infiéis condenados e por isso se dedicam a explorar o medo de humanos que começam a questionar-se sobre a vida noutros planetas (e nas partes pouco exploradas do nosso), sobre a possibilidade de outras dimensões e da sua conexão com a nossa, sobre viagem no tempo, e de como podem haver outras criaturas com capacidades semelhantes ou superiores às nossas e intenções ininteligíveis que se cruzem connosco das formas mais imprevisíveis. Há, por outro lado, uma notória preocupação com a pureza racial e cultural que revela, para olhares atentos, o preconceito de que Lovecraft era abertamente apoiante e que pode diminuir o prazer da leitura.
Assim, recomendo esta colecção a quem ainda não tenha lido H.P. Lovecraft e tenha algum interesse em ficção especulativa e horror ou weird em especial, mas também a quem já tenha lido alguma história isolada ou traduzida e queira ler os trabalhos originais. Será também de especial utilidade a quem quiser conhecer o contexto do autor e da publicação de histórias cuja influência permeia muito do que se escreveu e escreve ainda hoje e não só na literatura de horror.


"Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn"

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Another book from NetGalley, this one because I had never read H.P. Lovecraft. I had thought about it, of course, after reading works influenced by him (it's almost impossible not to) and a collection of his most relevant stories seemed like a great way to finally do it. I've previously mentioned here that I'm not a great fan of horror literature, but I must say that Lovecraft surprised me with stories more close to what we call weird than actual horror, which made this that much more interesting to me.
This collection starts with an excellent introduction by Roger Luckhurst that gives the reader some contextual information without spoiling too much and ends with some more explanatory notes. Luckhurst's contribution in one of the details that distinguish this from other Lovecraftian collections, giving it an almost academical component without ever being boring or over-thought. There is a real intention to help the reader understand the text as it was written. Towards that - another distinguishing detail - the works were reproduced as faithfully to the original writing as possible without the alterations made by the different editors that published them in the first place.
The book collects the following stories: The Horror at Red Hook, The Call of Cthulhu, The Colour out of Space, The Dunwich Horror, The Whisperer in Darkness, At the Mountains of Madness, The Dreams in the Witch House, The Shadow over Innsmouth and The Shadow out of Time.  The is also an excerpt from his essay, Supernatural Horror in Literature.
If when it comes to cultural interest, this was one of the most important books I've read recently, my thoughts on the stories themselves aren't always as positive. On on hand, I recognize that Lovecraft is, to my knowledge, probably the most effective author generating an ambience of weirdness and feelings of intrusion and unpredictability. On the other hand, the amount of adjectives and their repetition - specially in different stories - become overwhelming and tiresome. I feel his style works best in short stories and probably read separately, as they were published. Given all I've just said, it's easy to see why the one I enjoyed less was At the Mountains of Madness, which in spite of being one of his best known works is also one of the biggest and ended up boring me.
H.P.Lovecraft focuses on a kind of fear that differs from the usual in the more traditional, religiously biased stories or in the contemporary ones, that focus on feelings of entrapment and enemies hidden in plain sight. The fear in Lovecraft isn't associated with any punishment or guilt or even anything necessarily human. It comes from the outside, from space, from other dimensions, it's external to our comprehension. The terrifying beings in his works have a near incredible description, such is the weirdness of their organisms. There is an association between these creatures (with whom he created a whole interconnecting structure that came to be called the Cthulhu Mythos) and cults or witchcraft contributing to the plausibility of the stories. The creatures have incomprehensible behaviour, live through ages which gives them a different concept of existence and have abilities far beyond ours. Common to every one of their appearances is the feeling of weirdness they cause to the narrator, as if his world was being invaded by something he can't understand and that, perhaps precisely because of that, terrifies him immediately. Lovecraft transmits, more that fear, this feeling of near insanity, through a mix of doubt and expectation associated with blurred and over-adjectivized information that gets the reader almost to nausea.
These are stories that assume we've left behind those fears associated with religious morality, with guilt, seducing or punishing devils, saved pious or doomed non-believers and because of that are dedicated to the exploration of the fears of those who question alien life, outer-dimensional life, time travel or who consider the possibility of there being other creatures with abilities similar or superior to ours and whose intentions are unintelligible even when we come across them. There is, on the other hand, an obvious preoccupation with racial and cultural purity which shows, to those who are alert, a prejudice that Lovecraft was openly supportive of - something that can spoil the experience of reading his work.
As it is, I recommend this collection to those who haven't read H.P. Lovecraft and have any interest in speculative fiction and horror or weird in particular, but also to those who have read one or other isolated work and wishes to read the original and more memorable ones. It will also be useful to those who wish to understand the author's context, a man who came to influence so much of what has been written ever since, and not just in horror literature.


"Yog-Sothoth knows the gate. Yog-Sothoth is the gate. Yog-Sothoth is the key and guardian of the gate. Past, present, future, all are one in Yog-Sothoth. He knows where the Old Ones broke through of old, and where They shall break through again. He knows where They have trod earth's fields, and where They still tread them, and why no one can behold Them as They tread."

Thursday, 4 July 2013

Follow the Money: The Money Trail Through History by Ruben Alvarado

Há muito que queria começar a ler sobre finanças e economia e quando a oportunidade de ler um livro sobre a história do dinheiro através do NetGalley não podia deixa-la escapar.
Ruben Alvarado transporta o leitor ao longo da nossa própria história, desde as primeiras trocas de produtos até ao dinheiro como o conhecemos hoje. Foi muito interessante ver a sua análise de vários momentos importantes da nossa civilização relacionando-os com o que aconteceu na altura com o dinheiro, desde o material de que era feito, a sua escassez ou abundância ou os seus movimentos internacionais até às primeiras experiências com dinheiro de papel e o abandono do gold standard. O livro termina na crise actual, no entanto não há aqui uma tentativa de a analisar mais profundamente do que as restantes situações referidas.
Há alguns momentos em que o autor se deixa levar pelas suas opiniões pessoais e se afasta de certa forma de uma análise isenta, mas em geral isto não se torna um problema. Por outro lado, a situação do dinheiro actual e de como as suas características afectam as sociedades podia ter sido explicada com maior detalhe, dado ser bastante mais complicada de perceber do que as anteriores.
Em geral, uma leitura rápida e informativa, que recomendo a todos os que tenham interesse nesta área, mesmo que completamente leigos em relação ao assunto do dinheiro.


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I've been wanting to start reading about finance and economy for a while so when this came up on NetGalley I couldn't miss the oportunity.
Ruben Alvarado takes the reader on a trip through our history, from the first trades to the creation of money as we know it today. It was really interesting to read his analysis of multiple moments of our civilization intertwining them with what happened with the money at the same time, from the material it was made of, its scarcity or abundance, its international flow to the first experiences with paper money and the abandonment of the gold standard. The book ends at the current financial and economic crisis, though the author doesn't emphasize its analysis over the past history.
There are some moments when the author gets somewhat carried away with his own opinions undermining his impartial analysis but in general this doesn't become a problem. On the other hand, current money and how its characteristics affect societies could have been explained in more detail because it is quite more difficult to understand than past situations.
All in all, a quick and informative read that I recommend to all interested in this area, even if completely new to the subject.