Finalmente consegui contactar com trabalhos de vários autores de língua portuguesa. Era algo que já queria ter feito antes, mas que nunca tive o entusiasmo necessário ou sequer uma oportunidade como esta para o levar a cabo. Os Contos Digitais do Diário de Notícias permitiram-me, de uma forma relativamente simples e gratuita, conhecer a escrita (ou pelo menos um exemplo dela) tanto de autores nos quais já tinha interesse como de outros que desconhecia por completo. Estão todos disponíveis actualmente na biblioteca digital do DN. Infelizmente, se é verdade que não parti com expectativas elevadas, mesmo assim a leitura desiludiu-me. A maioria dos 31 contos foram maus ou medíocres e são mesmo poucos os que recomendo ou que ponderaria reler.
A título de revisão, os contos que gostei e recomendo a quem estiver interessado em ficção curta de qualidade em português são:
- Cidade Líquida de João Tordo (#2), do qual comprei entretanto o livro Anatomia dos Mártires e, se gostar deste, pondero ler também As Três Vidas ou O Livro dos Homens sem Luz;
- A Queda de um Anjo de Afonso Cruz (#7), autor cuja obra já estava interessado em experimentar, comprei A Carne de Deus e tenho em vista ler também A Boneca de Kokoshka;
- A Moeda de Gonçalo M. Tavares (#8), do qual tenho já tinha lido Histórias Falsas e pretendo experimentar a série O Reino;
- Coisas Que Acarinho E Me Morrem Entre Os Dedos de Dulce Maria Cardoso (#11), autora da qual pretendo eventualmente ler O Retorno;
- Monólogo do Oriente de Patrícia Portela (#27), autora que desconhecia por completo e me deixou curioso quanto ao que fará num formato mais longo, a explorar n'O Banquete.
O meu favorito foi sem dúvida A Queda de um Anjo de Afonso Cruz. Foi uma leitura agradável, surpreendente, que resulta bem como um conto e instiga a mente a reflectir. Este, tal como os contos de Dulce Maria Cardoso e Patrícia Portela são textos que eu diria fáceis de gostar e que me parece que qualquer leitor vai encontrar facilmente algo que lhe agrade. Cidade Líquida e A Moeda, por outro lado, são contos que implicam outro esforço, uma certa abertura e mentalização para serem aproveitados ao máximo. A minha opinião do conto de João Tordo melhorou consideravelmente à segunda leitura e, quanto a Gonçalo M. Tavares, parece-me que é típico da sua obra pedir ao leitor que interprete, que leia nas entrelinhas, que faça ele próprio a maior parte do raciocínio que lhe permitirá alcançar toda a mensagem que a história traz e assim sentir-se mesmo satisfeito com a leitura.
Houve outros contos que, não sendo maus, não me conseguiram cativar tanto mas que acredito que possam ser interessantes para alguns leitores, em especial para os fãs dos respectivos autores, como Quartos de Hotel de Inês Pedrosa, Acho que Posso Ajudar de David Machado, A Balada da Vala dos Velhos de J.P. Simões, O Progresso da Humanidade de Rui Cardoso Martins, A Terrível Criatura Sanguinária de Nuno Markl, A Mina do Deus Morto de João Barreiros e Notas Soltas Da Corda E Do Carrasco de Sérgio Godinho.
Os restantes contos, a meu ver, nem vale a pena experimentar a não ser que haja um especial interesse na obra completa do autor e que a motivação se mantenha mesmo depois de ler alguns comentários já partilhados no Goodreads, seja porque estão francamente mal escritos, seja porque o enredo ou o assunto são absolutamente desinteressantes. Compreendo que este comentário é genérico e algo paternalista, mas por isso mesmo incluí no final do post os links para os meus comentários para quem queira informação mais detalhada.
Uma outra nota que devo fazer é que eu li alguns destes contos em voz alta com uma amiga. Parece-me que isto teve algum impacto na forma como decorreu a sua leitura, não só porque tive imediatamente alguém com quem conversar sobre eles mas mesmo porque ter que ler alto, pronunciar as frases e as palavras e parar para pensar pelo meio alteram mesmo a experiência.
Só recentemente comecei a ler ficção curta, sempre foi algo para o qual tive um certo preconceito, na típica linha: "um conto não chega para desenvolver e aprofundar um tema ao ponto que me interessa". Entretanto, e ainda bem, as minhas leituras provaram que estava redondamente enganado e que consigo mesmo adorar alguns contos e ficar a pensar neles noite dentro. Para isto contribuiu destacadamente um livro ao qual não pude fazer justiça - por falta de tempo e cabeça na altura em que o acabei de ler - com um comentário detalhado aqui no blog: Pequenos Mistérios (The Keyhole Opera) de Bruce Holland Rogers. Aproveito pelo menos para agradecer à Cat que insistiu comigo que eu tinha que ler uma antologia de ficção curta de qualidade e me emprestou o livro, mesmo sabendo que eu vivo com dois gatos loucos. Visitem o blog dela que vale a pena (ela acompanha-me na mania dos posts gigantes o que é óptimo). Voltando ao ponto, quero com isto dizer que apesar da minha parca experiência com ficção curta, parece-me que esta colecção não resultou nem individualmente em muitos casos nem como um conjunto. Desconheço se houve alguma linha editorial, algum pedido específico aos autores ou outro factor deste tipo que tenha influenciado negativamente o resultado final, mas de qualquer forma isto poderia explicar apenas algumas das falhas. De saudar a iniciativa e a participação dos autores que destaquei inicialmente, mais do que o resultado global.
Sendo assim, aqui ficam os links para os posts com os meus comentários conto por conto:
parte 1 (#1 a #5)
parte 2 (#6 a #10)
parte 3 (#11 a #15)
parte 4 (#16 a #20)
parte 5 (#21 a #25)
parte 6 (#26 a #31)
Mais alguém que tenha lido toda a colecção? O que acharam?
Eu ainda só li até ao conto da Dulce Maria Cardoso, mas penso que quando terminar a série de contos vou ter uma opinião muito parecida com a tua. Eu noto alguma falta de consistência entre os contos, principalmente a nível de qualidade. Acho que também teria sido engraçado haver temas em comum, para podermos olhar para este conjunto de contos como um todo e apreciar as abordagens dos diversos autores dentro do mesmo assunto.
ReplyDeleteDe resto, partilho contigo a reticência quanto à ficção curta e esse é também um dos motivos que me levou (e leva) a ter curiosidade por estes contos. Pena que a iniciativa pareça ter ficado um pouco aquém do esperado.
Eu não me incomodo se de facto a colecção não tem uma linha que una os contos, não me incomodo que seja simplesmente uma montra da literatura portuguesa contemporânea, mas incomodo-me se não há critério de qualidade. É que se nem sequer há uma mensagem geral que se queira passar com a leitura do conjunto, pelo menos tem que haver uma certeza de que as histórias valem por si. Aqui houve poucas que o tenham conseguido, o que me deixa a pensar: porque raio se publicaram também os contos que estão francamente maus? Só porque sim? Só porque os autores estão estabelecidos? Por pressão das suas editoras? Para evitar confusões?
DeleteA ideia que tenho - e que pode estar errada - é que isto foi feito um pouco às três pancadas. Do estilo "Vamos convidar uma série de escritores/figuras famosos para escreverem contos" e depois não houve tempo/engenho/coragem para se editar os contos e ficaram tal e qual foram escritos (não se quereria ferir susceptibilidades?).
DeleteDeve ter sido isso tudo. E depois deu no que deu. O que é uma pena, porque a comunidade de gente que lê ebooks em Portugal está a crescer e é feita de gente que COMPRA livros mas que também está muito habituada a ler em inglês e literatura estrangeira. Valia a pena conquistar estas pessoas para o mundo da literatura portuguesa. Eu próprio já comprei dois livros, planeio comprar mais dois e tenho alguns emprestados, isto só em relação aos poucos autores cujos contos gostei.
DeleteTordo é um dos meus autores favoritos, mas confesso que achei o "Anatomia dos Mártires" bastante abaixo do normal, para ele; recomendaria sobretudo o "Livro dos Homens Sem Luz", é genial ;)
ReplyDeleteJorge
Vou ter isso em conta, obrigado pela recomendação :)
Delete