Thursday, 14 February 2013

Contos Digitais do Diário de Notícias 2012/2013 (6)

Este é o sexto post a comentar os Contos Digitais do DN, disponíveis gratuitamente na sua biblioteca digital.

Começo agora pelo conto de Manuel João Vieira, A Princesa do Gelo que é nonsense puro, daquele que nos faz acabar a leitura sem ter percebido rigorosamente nada porque parece não haver mesmo nada para perceber. Não gostei nada do conto e custou-me a acabar porque não tem piada, enredo ou personagem que interesse. Admito que o blurb é bastante bem conseguido e avisa claramente o leitor quanto que está prestes a experimentar. Percebe-se aqui uma brincadeira com a típica história de aventura, só que infelizmente sem análise ou piada que justifiquem dedicar-lhe atenção.

O conto de Patrícia Portela - Monólogo do Oriente - é tão fiel como possível ao seu título: é um monólogo de um homem que acaba por esboçar um possível planeamento duma provável viagem ao Oriente. O homem fala, fala, fala sem parar, sempre a saltar de uma decisão para outra, à medida que pondera quais as preparações necessárias para levar cada plano a cabo. Faz lembrar um pródromo de uma crise de ansiedade, em que a mente da pessoa parece voar de problema em problema, de questiúncula em questiúncula, do futuro incerto para o passado que correu mal ou para a insatisfação com o presente, do planeamento de uma tarefa para a auto-comiseração em bola de neve a descer a montanha.
O discurso chama à atenção do leitor não só porque lembra aquela típica hesitação e exagero de preocupação que costumam fazer com que as ideias morram na praia, mas também porque simultâneamente evita o melodrama e acaba por ter mesmo piada em alguns momentos.
O ponto negativo foi somente o final que, embora expectável, me pareceu de certa forma demasiado anti-climático para uma leitura de resto tão engraçada e com mais potencial.
Pondero ler mais de Patrícia Portela no futuro, dependendo da temática a que se dedica nas suas outras obras.

Segue-se O Fim da Dívida de Nuno Costa Santos. Tal como o título indica, este conto fala de dívida e tudo nele parece ser intencionalmente construído para ser uma brincadeira séria com a dita dívida e decorrente situação portuguesa nos últimos anos. Infelizmente a passagem da ideia à prática não correu bem e o texto acaba por ser pouco estimulante e completamente desinteressante.

Numa óbvia crítica à sociedade actual, em que se vive de aparências mesmo com a crise a obrigar grande parte das pessoas a mudar completamente as suas vidas, o conto de Ricardo Adolfo conta-nos a história de dois casais que se escondem em casa enquanto fingem, para si e para os outros, que viajaram para o Brasil de férias. Os miúdos, sempre honestos quando os pais precisam que eles mintam, não colaboram tanto assim e servem de comparação com os adultos que tanto se dobram a este tipo de supostas exigências sociais. Há ainda uma referência ao Fifty Shades of Grey, provavelmente para adicionar à crítica que se faz a este tipo de pessoas, fúteis e idiotas. Se isto parece ter potencial, e se calhar tem, o facto é que o conto em si é absolutamente desinteressante. Em Férias com um Casal Amigo segue-se esta gente, os seus diálogos inconsequentes - sabe-se lá porquê sem letras maiúsculas ou pontos finais - até ao clímax da idiotice, que dá em loucura e que evita uma confrontação que talvez explorasse melhor o tema. Assim, limita-se a ser uma descrição superficial de um par de dias patetas.

O penúltimo conto da colecção é Dama Polaca Voando Em Limusine Preta de Lídia Jorge. Embora haja um aparente interesse em explorar as ideias de preconceito e de reacção ao desconhecido, na prática o conto acaba por ser um aborrecimento. A escrita não é má, em especial comparando com outros contos nesta colecção, mas o esboço de enredo não segura o interesse nem me deixa a pensar em nada e as personagens são irrelevantes.

Os contos digitais DN terminam com uma história da autoria de Sérgio Godinho, Notas Soltas Da Corda E Do Carrasco. Este conto é uma leitura interessante em que se explora a mente de um carrasco que revê a sua vida no momento em que está prestes a ser submetido à pena de morte. A ironia da vida parece fazer algum sentido na cabeça do homem que vai ligando os pontos e explicando a si mesmo - e ao leitor - como é que tudo levou a esta situação. Não é um conto que me traga especial novidade, mas é sem dúvida uma leitura agradável na qual alguns pensamentos se destacam da narrativa e suscitam uma reflexão sobre o matar e o morrer.


Outros posts nesta série:
parte 1
parte 2
parte 3
parte 4

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