Sunday, 24 February 2013

Política, Sociedade, Economia e Steampunk - progresso tecnológico vs. social

Fiquei a pensar nisto depois de ler um post no Aventar. Na verdade é algo em que penso de vez em quando, mas desta feita, foi esta história de alguém se recusar a pagar nas caixas self-service por querer manter os empregos dos operadores de caixa registadora que me trouxe ao assunto.
É claro que esta preocupação é compreensível, aliás, é até típica do momento em que vivemos. É mais sobre essa questão que me quero debruçar.

A literatura e a animação ditas steampunk (algo a que ando um pouco mais dedicado no último ano) exploram frequentemente esta questão da substituição do homem pela máquina e as consequências disto para a sociedade. Foi aliás com isto em mente e pela analogia com o momento que vivemos hoje que escrevi o texto com que participei no Almanaque Steampunk 2012. Aquela visão crítica que levou os trabalhadores contemporâneos da revolução industrial a revoltarem-se contra as máquinas e os motores a vapor é contraposta frequentemente nas obras steampunk com os benefícios que o progresso tecnológico pode trazer. As conclusões, se o livro for bom, são deixadas à discrição do leitor. Aquilo que permite esta contraposição, que nos impede de dar imediatamente razão aos trabalhadores, é a esperança, e é agarrado a ela que vem o tom positivo ou optimista que se encontra muitas vezes nestas obras. A esperança de que o progresso nos fará bem a todos, a esperança de que a sociedade vai apoiar os trabalhadores que vão sendo substituídos na sua transição para outras funções e a esperança de que isto permite que as pessoas se ocupem somente com funções em que seja mesmo essencial um ser humano ou com funções que gostem genuinamente de realizar. O progresso tecnológico deveria permitir aos seres humanos vidas cada vez mais descansadas, uma menor dependência do trabalho (principalmente o físico) ou pelo menos uma necessidade de trabalhar restrita a poucas horas ou dias, e a rentabilidade do uso de máquinas deveria resolver o problema da produtividade permitindo eliminar a diferença de qualidade de vida entre os que ganham muito e os que ganham pouco, os que têm ou deixam de ter emprego.
Infelizmente, nem que tecnologicamente tudo isto fosse possível, a nossa sociedade não está pensada dessa forma. As pessoas acreditam no valor do trabalho quase como uma definição do valor da pessoa. Se imaginássemos um mundo em que as pessoas não teriam que trabalhar praticamente nada porque as máquinas o fariam por nós, muitos nos diriam que isso seria horrível e que decerto a humanidade se perderia no ócio e se destruiria. Se isto é verdade ou não, pelos vistos não estamos perto de o descobrir.

A verdade é que as pessoas que lideram a nossa sociedade, nas sombras ou não, não querem que o progresso se faça às claras e nessa direcção. Porque isso implicaria uma divisão de recursos relativamente igualitária, implicaria que deixaríamos de ter desculpa para manter tanta gente na miséria ao mesmo tempo que sustentamos tantos milionários. Se um dia o valor de uma pessoa e o seu acesso aos produtos não for determinado pelo seu trabalho, e esse trabalho não for controlado por estes mesmos "jogadores", como é que eles se poderiam manter a viver no topo do mundo, com mais do que quaisquer outros, com tudo o que possam imaginar? Só seria possível se o progresso de facto nos levasse a uma certa utopia em que a produção fosse tão elevada e rápida que não haveria limites ao consumo para nenhuma pessoa.
Para já, o facto é que ainda não estamos perto disso, aparentemente o ser humano ainda precisa de trabalhar muito para se sustentar (ou é isso que nos querem fazer acreditar - teoria da conspiração?). Para além disso, à conta de quem nos dirige e define as nossas prioridades (não digo só a nível nacional, mas também e principalmente internacional), não temos de todo um bom sistema de suporte àqueles que, sendo substituídos nas suas funções por máquinas, perdem o emprego que justificava o seu acesso a bens e serviços. É que, no momento em que vivemos, nem há expectativa da pessoa ter outro emprego em tempo útil, nem da sociedade usar excedente para sustentar esta pessoa enquanto espera e muito menos da pessoa poder viver sem emprego e dedicar o seu tempo ao que lhe der na cabeça, por exemplo em actividades que contribuam ainda mais para o nosso progresso (demasiada utopia?).

Enquanto não nos livrarmos desta liderança, desta ditadura social e económica, desta ilusão em que nos obrigam a viver, será sempre legítimo fazer o raciocínio que Mário Teixeira partilhou no Aventar. Porque, ao contrário do que nos tentam constantemente fazer crer, mais importante do que o futuro, o progresso tecnológico, a produtividade numa tarefa específica, mais importante que tudo isso nas nossas decisões a cada momento é a pessoa, aquela mesma pessoa cujo destino estamos a decidir constantemente, sempre que optamos pela máquina e a deixamos entregue a um sistema que, como acabo de descrever, não fará nada do que promete, não a protegerá e, aliás, usará o seu desespero e o de tantos outros para lhe oferecer um trabalho ainda menos remunerado. Enquanto não nos salvarmos disto, não saberemos de facto em que ponto estamos a nível de produtividade, de rentabilidade, de possibilidades quanto à justa divisão de esforços e produtos. Infelizmente, e olhando especificamente para Portugal, não vejo maneira de isto acontecer. Todas as forças políticas de representação parlamentar e praticamente todas as opiniões mediáticas concordam pelo menos nesta ideia de valorizar os "trabalhadores" ou o "trabalho" em vez de valorizar a pessoa. A direita faz-nos crer que as pessoas têm que se esforçar para ser as melhores no seu trabalho e que assim terão uma boa vida, a esquerda agarra-se ao discurso dos direitos dos trabalhadores. Poucos conseguem pensar, ou pelo menos fazer chegar ao público, uma visão que tenha em conta este ponto, que olhe para as pessoas independentemente do trabalho, do emprego, do contributo verificável. Poucos se questionam abertamente sobre a falta de progresso social apesar do tecnológico. Agarram-se à qualidade de vida medida por bens de consumo e esquecem-se que o que queríamos do progresso tecnológico era que nos permitisse fugir da organização feudal da sociedade, em que os ricos têm tudo porque são ricos, os que trabalham têm algo porque trabalham e os que não trabalham não interessam nada. Será que ainda faz sentido, nos dias de hoje, ver as coisas assim? Será que ainda não atingimos um ponto em que é ridículo esperar que toda a gente trabalhe tanto como as leis obrigam? Não sabemos. E é assim, feito anfíbio na panela com água a aquecer, que vamos nadando de um lado para o outro enquanto nos cozem em lume brando.

Monday, 18 February 2013

Cenas (2)

No Viagem a Andrómeda, um dos blogs mais interessantes do que eu conheço da blogosfera portuguesa - e ainda por cima dedicado ao fantástico - o João Campos publicou uma discussão muito interessante sobre a eterna discussão sobre originalidade e referências nas obras de ficção tendo como ponto de partida o artigo de Paul Cook no Amazing Stories denominado The Lazy Apocalypse.

O Brain Pickings é um sítio com tanta coisa interessante que eu mal consigo ler com atenção tudo o que lá aparece, por mais que queira. Tenho quase sempre a leitura do blog com um atraso de mais de 40 posts. Falo dele desta feita porque li um post muito bom em que se comenta uma carta de Galileo depois de ser atacado pelas suas explorações e descobertas. A sua defesa e contra-ataque baseiam-se numa argumentação que devia ser reconhecida por qualquer crente de qualquer religião, mas que infelizmente ainda hoje é largamente ignorada por boa parte deles. Nunca devemos aceitar que textos escritos por homens e interpretados por homens tenham um valor mais alto do que a própria criação. Se acreditarem que um ser divino criou os humanos tal como eles são, que sentido faz proibirem alguns de usarem as capacidades que lhes foram dadas, os sentidos, a curiosidade, a inteligência? Independentemente daquilo em que acreditam, aconselho a todos a leitura deste post, em respeito à figura histórica mas principalmente porque uma boa argumentação é uma delícia de se ver.

A terceira "cena" interessante que quero partilhar é esta talk do TEDxWomen. iO Tillett Wright não só apresenta um projecto fotográfico muito interessante - Self Evident Truths - como faz uma argumentação brilhante contra o preconceito de género e sexualidade. A mim parece-me que qualquer pessoa que viva no mundo real há meia dúzia de anos já tem alguma obrigação de saber isto, mas é um facto que demasiada gente ainda tem a cabeça mais dura que um Prenocephale e faz um esforço por não estar disposto a perceber o mundo de outra forma que não aquela a que se habituou ou foi habituado, mesmo quando isso implica destruir vidas completamente.



Saturday, 16 February 2013

Contos Digitais do Diário de Notícias 2012/2013 - comentário geral

Finalmente consegui contactar com trabalhos de vários autores de língua portuguesa. Era algo que já queria ter feito antes, mas que nunca tive o entusiasmo necessário ou sequer uma oportunidade como esta para o levar a cabo. Os Contos Digitais do Diário de Notícias permitiram-me, de uma forma relativamente simples e gratuita, conhecer a escrita (ou pelo menos um exemplo dela) tanto de autores nos quais já tinha interesse como de outros que desconhecia por completo. Estão todos disponíveis actualmente na biblioteca digital do DN. Infelizmente, se é verdade que não parti com expectativas elevadas, mesmo assim a leitura desiludiu-me. A maioria dos 31 contos foram maus ou medíocres e são mesmo poucos os que recomendo ou que ponderaria reler.

A título de revisão, os contos que gostei e recomendo a quem estiver interessado em ficção curta de qualidade em português são:
- Cidade Líquida de João Tordo (#2), do qual comprei entretanto o livro Anatomia dos Mártires e, se gostar deste, pondero ler também As Três Vidas ou O Livro dos Homens sem Luz;
- A Queda de um Anjo de Afonso Cruz (#7), autor cuja obra já estava interessado em experimentar, comprei A Carne de Deus e tenho em vista ler também A Boneca de Kokoshka;
- A Moeda de Gonçalo M. Tavares (#8), do qual tenho já tinha lido Histórias Falsas e pretendo experimentar a série O Reino;
- Coisas Que Acarinho E Me Morrem Entre Os Dedos de Dulce Maria Cardoso (#11), autora da qual pretendo eventualmente ler O Retorno;
- Monólogo do Oriente de Patrícia Portela (#27), autora que desconhecia por completo e me deixou curioso quanto ao que fará num formato mais longo, a explorar n'O Banquete.

O meu favorito foi sem dúvida A Queda de um Anjo de Afonso Cruz. Foi uma leitura agradável, surpreendente, que resulta bem como um conto e instiga a mente a reflectir. Este, tal como os contos de Dulce Maria Cardoso e Patrícia Portela são textos que eu diria fáceis de gostar e que me parece que qualquer leitor vai encontrar facilmente algo que lhe agrade. Cidade Líquida e A Moeda, por outro lado, são contos que implicam outro esforço, uma certa abertura e mentalização para serem aproveitados ao máximo. A minha opinião do conto de João Tordo melhorou consideravelmente à segunda leitura e, quanto a Gonçalo M. Tavares, parece-me que é típico da sua obra pedir ao leitor que interprete, que leia nas entrelinhas, que faça ele próprio a maior parte do raciocínio que lhe permitirá alcançar toda a mensagem que a história traz e assim sentir-se mesmo satisfeito com a leitura.

Houve outros contos que, não sendo maus, não me conseguiram cativar tanto mas que acredito que possam ser interessantes para alguns leitores, em especial para os fãs dos respectivos autores, como Quartos de Hotel de Inês Pedrosa, Acho que Posso Ajudar de David Machado, A Balada da Vala dos Velhos de J.P. Simões, O Progresso da Humanidade de Rui Cardoso Martins, A Terrível Criatura Sanguinária de Nuno Markl, A Mina do Deus Morto de João Barreiros e Notas Soltas Da Corda E Do Carrasco de Sérgio Godinho.
Os restantes contos, a meu ver, nem vale a pena experimentar a não ser que haja um especial interesse na obra completa do autor e que a motivação se mantenha mesmo depois de ler alguns comentários já partilhados no Goodreads, seja porque estão francamente mal escritos, seja porque o enredo ou o assunto são absolutamente desinteressantes. Compreendo que este comentário é genérico e algo paternalista, mas por isso mesmo incluí no final do post os links para os meus comentários para quem queira informação mais detalhada.
Uma outra nota que devo fazer é que eu li alguns destes contos em voz alta com uma amiga. Parece-me que isto teve algum impacto na forma como decorreu a sua leitura, não só porque tive imediatamente alguém com quem conversar sobre eles mas mesmo porque ter que ler alto, pronunciar as frases e as palavras e parar para pensar pelo meio alteram mesmo a experiência.

Só recentemente comecei a ler ficção curta, sempre foi algo para o qual tive um certo preconceito, na típica linha: "um conto não chega para desenvolver e aprofundar um tema ao ponto que me interessa". Entretanto, e ainda bem, as minhas leituras provaram que estava redondamente enganado e que consigo mesmo adorar alguns contos e ficar a pensar neles noite dentro. Para isto contribuiu destacadamente um livro ao qual não pude fazer justiça - por falta de tempo e cabeça na altura em que o acabei de ler - com um comentário detalhado aqui no blog: Pequenos Mistérios (The Keyhole Opera) de Bruce Holland Rogers. Aproveito pelo menos para agradecer à Cat que insistiu comigo que eu tinha que ler uma antologia de ficção curta de qualidade e me emprestou o livro, mesmo sabendo que eu vivo com dois gatos loucos. Visitem o blog dela que vale a pena (ela acompanha-me na mania dos posts gigantes o que é óptimo). Voltando ao ponto, quero com isto dizer que apesar da minha parca experiência com ficção curta, parece-me que esta colecção não resultou nem individualmente em muitos casos nem como um conjunto. Desconheço se houve alguma linha editorial, algum pedido específico aos autores ou outro factor deste tipo que tenha influenciado negativamente o resultado final, mas de qualquer forma isto poderia explicar apenas algumas das falhas. De saudar a iniciativa e a participação dos autores que destaquei inicialmente, mais do que o resultado global.

Sendo assim, aqui ficam os links para os posts com os meus comentários conto por conto:
parte 1 (#1 a #5)
parte 2 (#6 a #10)
parte 3 (#11 a #15)
parte 4 (#16 a #20)
parte 5 (#21 a #25)
parte 6 (#26 a #31)

Mais alguém que tenha lido toda a colecção? O que acharam?

Thursday, 14 February 2013

Contos Digitais do Diário de Notícias 2012/2013 (6)

Este é o sexto post a comentar os Contos Digitais do DN, disponíveis gratuitamente na sua biblioteca digital.

Começo agora pelo conto de Manuel João Vieira, A Princesa do Gelo que é nonsense puro, daquele que nos faz acabar a leitura sem ter percebido rigorosamente nada porque parece não haver mesmo nada para perceber. Não gostei nada do conto e custou-me a acabar porque não tem piada, enredo ou personagem que interesse. Admito que o blurb é bastante bem conseguido e avisa claramente o leitor quanto que está prestes a experimentar. Percebe-se aqui uma brincadeira com a típica história de aventura, só que infelizmente sem análise ou piada que justifiquem dedicar-lhe atenção.

O conto de Patrícia Portela - Monólogo do Oriente - é tão fiel como possível ao seu título: é um monólogo de um homem que acaba por esboçar um possível planeamento duma provável viagem ao Oriente. O homem fala, fala, fala sem parar, sempre a saltar de uma decisão para outra, à medida que pondera quais as preparações necessárias para levar cada plano a cabo. Faz lembrar um pródromo de uma crise de ansiedade, em que a mente da pessoa parece voar de problema em problema, de questiúncula em questiúncula, do futuro incerto para o passado que correu mal ou para a insatisfação com o presente, do planeamento de uma tarefa para a auto-comiseração em bola de neve a descer a montanha.
O discurso chama à atenção do leitor não só porque lembra aquela típica hesitação e exagero de preocupação que costumam fazer com que as ideias morram na praia, mas também porque simultâneamente evita o melodrama e acaba por ter mesmo piada em alguns momentos.
O ponto negativo foi somente o final que, embora expectável, me pareceu de certa forma demasiado anti-climático para uma leitura de resto tão engraçada e com mais potencial.
Pondero ler mais de Patrícia Portela no futuro, dependendo da temática a que se dedica nas suas outras obras.

Segue-se O Fim da Dívida de Nuno Costa Santos. Tal como o título indica, este conto fala de dívida e tudo nele parece ser intencionalmente construído para ser uma brincadeira séria com a dita dívida e decorrente situação portuguesa nos últimos anos. Infelizmente a passagem da ideia à prática não correu bem e o texto acaba por ser pouco estimulante e completamente desinteressante.

Numa óbvia crítica à sociedade actual, em que se vive de aparências mesmo com a crise a obrigar grande parte das pessoas a mudar completamente as suas vidas, o conto de Ricardo Adolfo conta-nos a história de dois casais que se escondem em casa enquanto fingem, para si e para os outros, que viajaram para o Brasil de férias. Os miúdos, sempre honestos quando os pais precisam que eles mintam, não colaboram tanto assim e servem de comparação com os adultos que tanto se dobram a este tipo de supostas exigências sociais. Há ainda uma referência ao Fifty Shades of Grey, provavelmente para adicionar à crítica que se faz a este tipo de pessoas, fúteis e idiotas. Se isto parece ter potencial, e se calhar tem, o facto é que o conto em si é absolutamente desinteressante. Em Férias com um Casal Amigo segue-se esta gente, os seus diálogos inconsequentes - sabe-se lá porquê sem letras maiúsculas ou pontos finais - até ao clímax da idiotice, que dá em loucura e que evita uma confrontação que talvez explorasse melhor o tema. Assim, limita-se a ser uma descrição superficial de um par de dias patetas.

O penúltimo conto da colecção é Dama Polaca Voando Em Limusine Preta de Lídia Jorge. Embora haja um aparente interesse em explorar as ideias de preconceito e de reacção ao desconhecido, na prática o conto acaba por ser um aborrecimento. A escrita não é má, em especial comparando com outros contos nesta colecção, mas o esboço de enredo não segura o interesse nem me deixa a pensar em nada e as personagens são irrelevantes.

Os contos digitais DN terminam com uma história da autoria de Sérgio Godinho, Notas Soltas Da Corda E Do Carrasco. Este conto é uma leitura interessante em que se explora a mente de um carrasco que revê a sua vida no momento em que está prestes a ser submetido à pena de morte. A ironia da vida parece fazer algum sentido na cabeça do homem que vai ligando os pontos e explicando a si mesmo - e ao leitor - como é que tudo levou a esta situação. Não é um conto que me traga especial novidade, mas é sem dúvida uma leitura agradável na qual alguns pensamentos se destacam da narrativa e suscitam uma reflexão sobre o matar e o morrer.


Outros posts nesta série:
parte 1
parte 2
parte 3
parte 4

Tuesday, 12 February 2013

Brave New Worlds: Dystopian Stories edited by John Joseph Adams

I requested this anthology from NetGalley because of the name - who doesn't want to read anything good related to Brave New World? - and because it was edited by John Joseph Adams whose work I've been curious about for a while. I got this selection which consists in the three short stories added to its second edition. Another important factor was my being a fan of dystopian fiction.

The three stories have a previous sort of preface where the author is presented and the theme of the tale that follows is hinted or offered some background information.

The first story is The Cull by Robert Reed and was probably my favourite of the three. It reminded me of Wool, in which it follows a community shut off from the outside world where individuals are excluded when they step out of line apparently by sending them away from the place to an outside world where they surely can't survive. Similarities kind of end right there though. We are told the story by an android medical doctor who is a kind of keeper, simultaneously the doctor and the judge of the humans he "tends to". This tending involves the use of some brain implants that keep everyone in the community (or almost everyone) feeling happy all the time - and this is where I smiled and remembered Huxley's soma. He slowly unveils not only what happens to a kid who is becoming dangerous, behaving aggressively and rather unpredictably in various situations, but also what his intentions towards the whole community are. But he does it so slyly and slowly that the reader is as tricked as the kid or the people right to the very end and is still left questioning how to should judge the doctor's actions.

The second story, by Jennifer Pelland, is called Personal Jesus (yes, the Depeche Mode song). Here, this concept is given a very material interpretation: your Personal Jesus is an object that everyone in the country has connected to their body, forever controlling your social and personal behaviour by means of electric shocks full of divine love and care. The fact that it is written as an enumeration of rules, as if you were given the leaflet on how to live in the Ecclesiastical States of America, adds to the fun and had me laughing out loud.

The last story is The Perfect Match by Ken Liu and I'll start by saying it isn't just a romance in the dystopian age. It does have some of that, but the main focus is driven widely away from it and into the exploration of what this world of communications and informations directed by algorithms can lead us to. There were some moments where the narrator decides to tell you the interpretation you could be making on your own, which is a bit annoying specially in a story exploring this theme, but overall it's a good tale and does question very important issues. Ken Liu reminds us, on one side, that we are already being controlled by those who choose which news or updates to put up at the top of our lists or timelines, and on the other side, of what a world where we grow isolated, each one only seeing and doing what he supposedly wants or likes a priori, looks like.

The book ends with some recommendation pages, on dystopian films and books worth watching or reading. Something I should never read again, should I want to have money to buy food and pay bills and space in my room to live.
This selection worked really well as a sneak preview of the anthology, so much that I instantly added the book to my wishlist. Highly recommended for people who like dystopian works, short fiction or overall science fiction fans.


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Requisitei esta antologia no NetGalley por causa do nome - qualquer coisa relacionada com o Admirável Mundo Novo me interessa - por ter sido editada por John Joseph Adams, cujo trabalho me desperta bastante curiosidade, e por ser ficção distópica. Foi-me dado acesso a esta selecção de três histórias que foram adicionadas à primeira edição publicada.

Cada história começa com uma apresentação do seu autor e uma introdução ou referência relacionada com o tema a explorar de seguida.

A primeira história é The Cull de Robert Reed e foi provavelmente a minha favorita. Lembrou-me do Wool por ter uma sociedade isolada do mundo exterior onde indivíduos são expulsos para o exterior quando se tornam diferentes, perigosos, na expectativa de que morram sem recursos. As semelhanças, no entanto, ficam-se por aqui. Em The Cull a história é contada por um andróide que é uma espécie de pastor, simultaneamente médico e juiz dos humanos que "guarda". Tomar conta dos humanos aqui implica o uso de implantes cerebrais que o andróide controla de forma a manter toda a gente - ou quase toda - constantemente feliz (recordando-me a soma do Huxley). Ele vai-nos revelando lentamente não só o destino de um miúdo que se tornou perigoso, agressivo e imprevisível, mas também quais são as suas intenções para toda a comunidade. Mas fá-lo de tal forma, lenta e sorrateiramente, que nos engana tanto como às outras personagens e nos deixa, no final, a questionar como julgar as suas acções.

A segunda história, de Jennifer Pelland chama-se Personal Jesus (sim, a canção dos Depeche Mode). Aqui, o conceito é interpretado de uma forma muito material: o Personal Jesus é um objecto que cada pessoa no país tem inseparavelmente ligado ao seu corpo, controlando para sempre o seu comportamento pessoal e social através de choques eléctricos cheios de amor divino. O facto de estar escrito como uma enumeração de regras, como se se trata-se de um panfleto sobre como viver nos Ecclesiastical States of America, torna tudo ainda mais engraçado.

A última história é The Perfect Match de Ken Liu e começo já por informar que não é só uma história romântica como o nome poderia indicar. Aliás o conto foca-se principalmente na exploração da sociedade a que este mundo com algoritmos que controlam a informação que temos e as comunicações que vemos pode levar. Houve alguns momentos em que o narrador decide começar a oferecer a sua interpretação das coisas em vez de a deixar ao critério do leitor, algo irritante em especial dado o tema, mas em geral é uma boa história que questiona situações extremamente relevantes nos dias de hoje. O autor não só nos lembra do quão controlados somos por quem decide o que aparece nas nossas listas e timelines mas também de quais seriam as consequências de vivermos isolados, cada um exposto apenas às coisas que, a priori, é provável gostar.

O livro termina com algumas listas de recomendações de filmes ou livros distópicos, algo que eu nunca mais devia ver, sob pena de ficar sem dinheiro e espaço no quarto para viver.

Esta selecção funcionou muito bem como uma previsão da antologia, e gostei de tal forma que quero comprar o livro, que me parece de recomendar não só a quem como eu adora distopias como a fãs de ficção curta e ficção científica em geral.

Tuesday, 5 February 2013

Live Hangout com a Clockwork Portugal

Já falei anteriormente da minha colaboração com a Clockwork Portugal aqui no blog. Desta feita participei pela primeira vez numa conversa em directo com a Sofia Romualdo e a Joana Neto Lima sobre os livros que lemos ou planeamos ler, séries e filmes que gostamos, projectos futuros e até sobre o facto de eu estar sentado na cama. Com a excepção da última referência, tudo dentro do assunto do steampunk ou com ele relacionado. Foi uma experiência muito interessante, a conversa  foi variada e engraçada e pudemos responder a alguns dos comentários que nos foram deixando no youtube, no twitter ou no facebook. A repetir no futuro, sem dúvida. Se estiverem interessados, já está disponível e dura pouco mais de uma hora (não era para ser tanto mas não conseguimos parar antes):




O passatempo para ganhar um exemplar do Lisboa no Ano 2000 (organizado pelo João Barreiros e publicado na colecção Bang! da Saída de Emergência) que referimos no final já está disponível aqui e aberto até 13 de Fevereiro, participem!

Monday, 4 February 2013

Cenas (1)

Este artigo do Guardian é uma breve mas excelente leitura que relembra o fosso entre as intenções e ideais e os resultados. George Orwell comenta a visão idealista, na altura decerto considerada muito ingénua, de Oscar Wilde quanto ao socialismo. O que nos lembra este comentário é de que não é por termos conhecido os sistemas socialistas autoritários e desumanos que devemos criticar a ideologia per se. O socialismo, mesmo o considerado utópico, deve ser levado em conta sempre que pensamos o mundo humano, a sociedade e a economia, sob pena de ignorarmos algumas das mais importantes lições históricas e ideias desenvolvidas quanto ao que queremos para o futuro, que consideramos realmente necessário, bom ou justo. Ler isto inspira-nos a ter cuidado e evitar confundir os fins, os meios e os motivos iniciais, aliás, tal como, na direcção inversa, dizemos que os fins não justificam os meios.

Queria também recomendar a leitura deste post de Pacheco Pereira que resume bem a actual vida política portuguesa, incluindo no que se refere aos comentadores e bloggers. Infelizmente, ele tem toda a razão. Pensar e gerir um país como se fosse uma luta de claques de futebol numa mesa de matraquilhos só pode resultar em desastre, a curto e a longo prazo.

Por fim, vi recentemente o filme-documentário-entrevista Examined Life, partilhado pel'O Germe e adorei. Se há alguns problemas a nível da realização, filmagem e banda sonora, a verdade é que tudo isso é secundário e quase irrelevante perante o interesse do discurso dos vários convidados, aos quais são dados dez minutos para comentar uma determinada questão: Cornel West fala de verdade, Peter Singer de ética, Slavoj Žižek de ecologia, Avital Ronell de significado ou sentido, Martha Nussbaum de justiça, Michael Hardt de revolução, Kwame Anthony Appiah de cosmopolismo e Judith Butler com Sunaura Taylor de interdependência. Vale muito a pena ver e pensar em como a filosofia faz parte da vida e não é, tanto como se pensa, somente uma ocupação de mentes académicas superiores ou afastadas da realidade.
Se eu pudesse dedicar a minha vida a estes assuntos, da forma como eles são, embora superficialmente, explorados nesta obra, não tenham dúvida que o faria. Sou um viciado em pensar e em discutir estes conceitos ou questões e só assim percebo que possa valer a pena viver. A humanidade como um todo melhora ou evolui somente através deste exercício. 

Sunday, 3 February 2013

The Massive Volume 1: Black Pacific by Brian Wood

I knew Brian Wood from his Northlanders and X-Men work, so when I heard he was starting a comic based on a post-apocalyptic environmental dystopia I was sure I'd eventually get to read it and probably like it. As luck had it, this was the first comic I got from NetGalley to review and I must say my expectations were met.

The Massive is a story placed on a Planet Earth after all environmental hazard-hell broke loose, and follows a group of environmental activists, as they deal with the new world, find their place in it and travel in their boat, The Kapital, searching for their lost fellow ship, The Massive. This isn't so much an exploration of the fallout - the "Crash" - as it is an exploration of humanity after the society is no more, after everything changes almost instantaneously, in an unrecognisable world. And this is the first thing I liked about it because it's much more interesting to analyse the environment question as ways to avoid apocalypse or how are we to live after it than the usual cinema overused "day after tomorrow" formula. 

"This new world we're living in? It's not always going to afford us the luxury of a personal moral code."

The way the author shows us what happened to the planet is by short reports of localized events and then using them to return to the narrative. Associated to these moments, the narrator sometimes reminds us of a documentary-like voice which is not only adequate considering the theme but also contributes to the immersion of the reader in that world.
The broken society here doesn't limit itself to the street riots, looting and the usual first day after the end ideas. In the world of The Massive the civilization in no more. Countries that still exist are isolated, international commerce and consumerism is gone, cities are controlled by gangs and militias, pure drinkable water is harder to find than oil or pirates.
This first volume introduces the crew of The Kapital, the concept of their peaceful organization - Ninth Wave - and their current main purpose: surviving while searching The Massive. Here again I must praise the author's skill in the way he shows who these people are, both with the multiple situations they must face right now and with the flashbacks that tells us where they come from and how they ended up being who they are and where they are. Of all of them, Callum - the leader - is undoubtedly the most interesting, though he is by no means the single focus of the story. What I do feel is that all the others are more close to the typical stereotypes in these stories and serve as a good structure on which to show and develop Callum. Despite all this, all the crew ends up feeling like a believable group of people that will be interesting to follow in the times to come. 

The illustration is wonderful, both in the storytelling moments and in the world-building ones and the people seem real, their faces are distinct and emotional and their world is astonishing. Kristian Donaldson, Garry Brown and Dave Stewart do an excellent job of making Brian Wood's story seem real, plausible, "just around the corner" but also surprising and at times quite terrifying. I must emphasize the colorist's great work, at the same time helping to unify the whole book but also distinguishing the different narrative timelines and places.

All in all, this comic has an interesting setting with lots of space to grow, action and adventure enough and characters worth following. This first part does feel a bit introductory, as is usual and unavoidable in this kind of series, and I'm happy to have read it as a collected volume.