Saturday 26 January 2013

Contos Digitais do Diário de Notícias 2012/2013 (5)

Este é o quinto post a comentar os Contos Digitais do DN, disponíveis gratuitamente na sua biblioteca digital.


A Cerimónia de João Bonifácio é o discurso de um homem a um agiota e seus capangas com cassetetes - entenda-se aqui a metáfora que aprouver - no momento em que este lhe tira os seus últimos bens. O homem fala da morte da mãe, da morte do pai, das chatices com a família e com a ex-família, da sua vida, frequentemente em relação a uma mesma música, que no fim se revela ser o mote para tamanha indignação e imparável discurso. Se por um lado é interessante esta forma de contar a história, com um narrador desesperado a falar sem parar na tentativa de convencer alguém insensível das suas necessidades, por outro também se torna cansativo porque o autor conta tudo o resto - o contexto, o passado pessoal do narrador e por aí fora - dentro de parêntesis. Ora parêntesis enormes no meio de um texto com frases de si enormes não gera uma boa experiência de leitura, não me faz empatizar com o homem, com a sua depressão, com a sua insónia, com o seu sofrimento, com as ridículas exigências que lhe fizeram a vida inteira, com o que quer que seja. Contada de outra forma, a ideia deste conto poderia originar uma história muito boa. Assim, não foi mau, mas foi sem dúvida abaixo do seu potencial, confuso e, dez minutos depois de acabar a leitura, pouco relevante.

No Muro é uma história que inclui duas ideias muito boas. A primeira é a do indivíduo que descobre a biblioteca que o pai lhe deixou e, embora inicialmente impelido a explorá-la em busca de dinheiro, acaba por decidir folhear os livros para contactar com as histórias que, no fundo e em conjunto, representam um pouco do seu pai. A outra é a sua decisão de a preservar no muro, livro por livro em cada tijolo, muro este que depois testemunha, de forma engraçada e até irónica, uma série de eventos, uns corriqueiros e outros longe disso. Infelizmente, ideias interessantes não fazem uma boa obra nem chegam para tornar a experiência de leitura agradável e David Soares falhou em tudo o resto. Por um lado temos a necessidade de demonstrar o seu conhecimento extenso do vocabulário não corrente, sem um texto interessante ao ponto de me fazer querer ir procurar os significados das palavras que desconhecia de todo. Por outro, e no seguimento desta ideia, temos um narrador que é quase uma outra personagem de tão diferente que é da personagem principal. A personagem nunca leu nada, falta-lhe a cultura e a inteligência, o narrador faz comentários e análises elaborados que se tornam estranhos, principalmente quando imediatamente apostos aos pensamentos do indivíduo. A leitura soa instantaneamente a uma mistura entre uma história e uma explicação do autor. Metáforas e comparações sobre-explicadas como a do faroleiro contribuem para esta sensação. Também não é compreensível que um indivíduo que tão recentemente se habituou a folhear os livros para estar mais próximo ou para conhecer melhor o pai (ou qualquer que seja o motivo) decida com tanta facilidade enfiá-los todos num muro onde jamais lhes poderá pegar.
Se escrito de outra forma, este conto poderia ter sido dos meus favoritos da colecção. Sendo assim, resta-me ter esperança de gostar mais da próxima obra de David Soares que vou ler, A Conspiração dos Antepassados, livro que comprei há uns anos mas que ainda não tive entusiasmo para começar.

Segue-se O Filho Do Pai Manel de Pedro Santo. Tenho alguma dificuldade em comentar este conto. Não porque esteja mal escrito - há muito piores nesta colecção - nem porque me tenha irritado especialmente - mais uma vez há outros que o conseguiram com incomparável eficácia. O problema deste conto é a sua inutilidade. A história não passa do que nos é dito na descrição, da vida de um homem entre os dois destinos que o pai lhe vaticinou e que na verdade nunca consegue alcançar realmente os seus objectivos nem cumprir destinos até ao final. Infelizmente isto não chegou para me despertar interesse no desfecho, na personagem, no que quer que fosse.

Jean-Charles, Amor de Calções de Onésimo Teotónio de Almeida é a colecção dos e-mails trocados entre um homem a escrever uma tese de mestrado na área da literatura e o seu orientador. Enquanto o orientador tenta que o aluno mantenha a sua concentração, abandone a sua obsessão por estar sempre a estudar mais e mais fundamentação teórica e finalmente escreva a tese, o aluno tenta convencer o orientador a escrever um conto. Nesse sentido vai-lhe pedindo para contar várias histórias do filho, um rapaz engraçado com hábito de ter sempre a resposta na ponta da língua, honesta, irónica e de certa forma desarmante. No meio destas conversas acabamos por ler várias histórias do rapaz que por vezes são realmente engraçadas e outras tantas são cliché do miúdo argumentativo precoce. Há ainda tempo para discutir um pouco o conceito de conto, os requisitos mínimos, o que é importante e o que é desnecessário ou irrelevante, uma discussão interessante mas que preferia ter lido noutro contexto. A nível da escrita tem apenas um defeito, talvez apenas uma questão pessoal, que é o facto das personagens porem constantemente a palavra em inglês do que estão a tentar dizer em português entre parêntesis. Mesmo quando já discutiram antes essa mesma tradução. Percebo a ideia, mas num pequeno conto torna-se cansativo e inconsequente excepto na quebra da fluidez da leitura. De resto a história em si não me trouxe especial mensagem nem fiquei com vontade de ler mais seja destas personagens (excepto talvez o Jean-Charles) seja do autor, a não ser que a temática em si me conquiste a priori.

O conto de Mário Zambujal - Um Velório Alegre - consiste no depoimento de um senhor ao inspector. O depoente fala tanto que o inspector não chega a ter que perguntar nada. Seguimos a história toda do que lhe aconteceu, cheia de rodeios e mal-entendidos, e no fim o conto acaba, sem nós percebermos exactamente o que se concluiu com a investigação, ou sequer com o conto em si. A escrita e o humor não estão mal, mas também não são uma maravilha que justifique por si só a leitura. No entanto talvez experimentasse ler outra obra do autor.


Outros posts nesta série:
parte 1
parte 2
parte 3
parte 4

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