Sunday 20 October 2013

Sem tretas ou as eternas notícias do futuro desemprego médico

Mais uma vez a comunicação social relembra que o desemprego vai chegar à classe médica em 2014. Há tanto que lutamos contra isto, mas notoriamente não fomos fortes o suficiente. Anos de vagas a mais nos cursos de Medicina não só têm vindo a piorar as capacidades formativas das faculdades como levam a um desemprego médico que só serve os interesses de quem quer arrastar mais uma profissão para a precariedade que cada vez mais caracteriza o mercado de trabalho português. Isto tem vindo a ser atrasado pela emigração dos médicos recém-formados, mas eventualmente, com o fim dos cursos que aceitaram o maior número de vagas dos últimos anos, desde 2010, o copo irá transbordar.

Digo isto por vários motivos. Um, sem tretas, porque quero proteger a minha qualidade de vida e as minhas condições de trabalho. Outro, porque me preocupo com o futuro dos meus colegas de profissão. Mas mais importante que isto, para mim e para todos, é que com a precariedade a alcançar os médicos perdemos uma das poucas classes profissionais que ainda servia para manter um certo exemplo de condições de trabalho, um padrão que permitia evidenciar a correlação entre a carreira e a qualidade. Os médicos eram neste país um dos últimos baluartes do que se quer e se exige de uma carreira na função pública. Eram profissionais liberais que podiam optar por trabalhar na função pública ou fora e que mantinham ordenados que, pelo menos comparados com o praticado nas restantes profissões públicas, estavam de acordo com a sua formação e carga de trabalho, uma carreira - mal ou bem - estruturada. Quem mais existe agora na nossa sociedade que simultaneamente ganha bem, tem poder social e político para fazer exigências e faz parte do dia a dia de todos, da normalidade, de cada cidade, de cada família? Com a destruição que se tem vindo a fazer da profissão médica em Portugal - sim, que se tem vindo a fazer e vai apenas ser facilitada por este desenvolvimento - desliga-se de vez o comum dos mortais, o povo, o trabalhador daqueles que têm poder, dinheiro, influência, qualidade de vida, condições de trabalho. Sim, estou a repetir-me. Talvez porque depois de tantos anos a repetir-me já não o consiga evitar ou talvez porque ainda me reste a esperança de que a repetição exaustiva possa abrir os olhos aos meus concidadãos.
Por fim, há um último motivo para querer falar desta notícia: a precarização da medicina irá, sem sombra de dúvida, associar-se à precarização do que sobra dos cuidados de saúde públicos em Portugal. Os enfermeiros, os psicólogos, os fisioterapeutas, os terapeutas da fala, os terapeutas ocupacionais ou não têm ou nunca tiveram poder político para fazer exigências gerais - sofrem por serem pouco reconhecidos pelo cidadão comum e ignorados pelas instâncias superiores, mas sofrem também porque são facilmente substituíveis. Há tantos profissionais destas áreas formados em Portugal que cada indivíduo se torna invisível aos olhos da tutela. Nem vale a pena falar dos administrativos e assistentes técnicos, esses nem vislumbram, infelizmente, esse tipo de poder. Os médicos, pelos muitos anos em que injustamente foram considerados quase uma casta superior, mas também porque ainda não existiam em excesso, eram os últimos profissionais de saúde com força para fazer exigências não só para a sua carreira mas para o Sistema Nacional de Saúde. Este, sem dúvida uma das coisas de que Portugal se devia orgulhar de ter construído e deveria querer assegurar como uma das condições base do Estado Social, vai sofrer uma machadada que, se não fatal, será pelo menos irremediavelmente castradora para o seu futuro.

O resultado disto pode ser catastrófico. Em vez de caminharmos para uma sociedade que reconhece a importância dos seus profissionais e suas carreiras, que valoriza a sua opinião, a sua compensação salarial e o seu enriquecimento técnico e académico, e que pugna por melhorar sempre que possível a qualidade de vida dos seus cidadãos (onde se incluí mas que não se limita à saúde), estamos a deixar que nos atirem para um fosso onde nada é garantido, onde cada um se amanha, onde o trabalho é quase um presente, o salário um privilégio e o Estado Social uma miragem. Arrepiaremos caminho ou definharemos.

1 comment:

  1. ...de facto, o ideal seria existirem cada vez menos medicos, mas imeeensos varredores, domesticas, lojistas, empregados de mesa, professores, engenheiros, advogados, economistas, engenheiros, etc... Não é...????

    Sabe André... Apesar de Ser uma das primeiras coisas Que um jovem candidato a medico aprende na Vida, uma Que ele NUNCA esquecerá, e guiara TODAS as suas accoea desde os 14 anos ate a sua Morte, ... A "Lei da Oferta e da Procura" tambem é compreendida por mais pessoas.... Nao as subestime.

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