Thursday 5 September 2013

The Book Thief by Markus Zusak

No dia em que este livro chegou às minhas mãos, o céu estava cinzento e chorava desesperadamente. A dona do livro trouxe-o junto com outro que tinha prometido emprestar-me, porque achou que eu devia ler. Ficámos os dois completamente encharcados. Ela estava mais certa do que alguma vez poderia imaginar.


Este livro conta a história de Liesel - A Rapariga que Roubava Livros (título da tradução para português) - uma criança alemã que vive perto de Munique na altura da Segunda Guerra Mundial, da Alemanhã Nazi e do Holocausto e que despertou o interesse do nosso narrador - A Morte. Através da vivência da rapariga e do olhar da Morte, o autor permite-se contar uma história que ao mesmo tempo é absolutamente credível mas que nos faz querer não acreditar nela nem um minuto. A vida extremamente difícil de Liesel e sua família vão ombreando na narração com episódios arrepiantes daquele período, desde a institucionalização do anti-semitismo associada às dificuldades económicas, à transformação dos judeus em criaturas inferiores aos seres humanos, desde a tentativa de convencer os alemães de que estavam somente a reconquistar o que era seu por direito à requisição forçada de gente para os campos de batalha. Ao mesmo tempo que seguimos a história desta rapariga que nos vai conquistando, não há como escapar de uma constante sensação de terror do que pode a qualquer momento acontecer às pessoas (não as consigo ver apenas como personagens) que já sentimos conhecer. Para além da alusão à guerra, The Book Thief toca mais de perto naquilo que afecta cada indivíduo, neste caso as consequências da dissidência política, a necessidade de manter uma aparência de total conivência com o regime, os problemas de querer ao mesmo tempo sobreviver e evitar perder aquilo que nos define como pessoa, ainda que ser quem somos seja arriscar diariamente o pescoço. A simbologia espalhada ao longo da narrativa torna a leitura uma verdadeira maravilha, desde a visão das palavras como ideias - a linguagem como libertação -, dos livros como esperanças, da escrita como salvação, das caves como factor de equilíbrio entre os judeus escondidos da Gestapo e os alemães protegidos dos bombardeamentos. Markus Zusak não entrega, no entanto, uma simples amálgama de situações dramáticas como seria certamente plausível dado o contexto da história. Há uma subtileza na forma como transmite as ideias e emoções e uma narração que intercala  os dramas com quotidiano e até com momentos de humor e doçura que eleva a complexidade de uma obra que entrou directamente para os meus livros favoritos.
Por fim, resta-me mencionar A Morte, um narrador com o qual me identifiquei desde logo, cujos comentários o autor destaca de uma forma gráfica e até cómica e que vão desde dados históricos a simples opiniões, por vezes revelando até acontecimentos futuros, muitas vezes surpreendentes seja na sua leveza seja na crueza com que acompanham a história.
Haveria, claro, muito mais a dizer sobre os eventos narrados, sobre a simbologia, sobre a escrita, mas parece-me melhor não dar mais pormenores. Espero que o que escrevi seja suficiente como recomendação para este livro, que estendo a qualquer pessoa que goste de ler.


No dia em que terminei a leitura do The Book Thief o céu estava azul, limpo com a excepção de algumas nuvens de fumo dos incêndios que circundavam Vila Real - quem chorava era eu.


"I am haunted by humans."



Obrigado Catarina.


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When this book got to me, the sky was grey and tearful. The owner brought it together with another one that she had promised to lend to me, because she thought I should read it. We ended up both soaking wet. She was right, much more at that than what we both could have guessed at the time.

This book shows the story of Liesel, a German child living near Munich in Nazi Germany as the World War II and the Holocaust unfolded that was able to pique our narrator's - Death - curiosity. Through her experience and Death's "eyes" the author tells a story that at the same time is absolutely believable but also has the reader wishing it wasn't credible at all. Liesel and her family's extremely difficult life are explored in parallel with terrifying episodes of that time, such as the general installation of anti-Semitism associated with the economic problems and the transformation of Jews into lesser creatures, the attempt to convince Germans that a war was needed to get what is rightfully theirs and even the forced conscription to the army. As one follows and falls for the girl, one can't escape a constant terror of what can at any point happen to these people (I can't bring myself to think of them as just characters) that we feel we know and like. Beyond the allusion to the war, The Book Thief explores in more detail what affects each person, in this case the consequences of political dissidence, the need to appear totally supportive of the regime, the problems of wanting to survive as much as wanting to be true to oneself. The symbology interwoven through the narrative adds to the reading experience, from the association of words, writing, reading and books with ideas, hope, salvation and freedom to the use of basements to place a parallelism between Germans taking cover from air raids and Jews hiding from Gestapo. However, Markus Zusak doesn't simply deliver a mesh of dramatic events, as the context might have lead him to. He has subtlety in how he conveys ideas and emotions and he knows to intersperse drama, everyday life and even humour and sweetness giving complexity to a work of art that is already one of my favourites.
Finally, I must write about Death, a narrator with whom I immediately related and whose comments the author emphasizes graphically and comically, that go from historical data to simple opinions sometimes even spoiling future events and often surprising be it for their easiness be it for their crudity.
There would be much more to say about the events, the symbols and the writing in The Book Thief, but I don't want to give more details. I hope that what I wrote is enough a recommendation to this book, one that I send out to anyone that enjoys reading.


The day I finished reading The Book Thief the sky was blue, clear but for some smoke from forest fires around Vila Real - I was the one crying.


"I am haunted by humans."


Thank you Catarina.

8 comments:

  1. Arrepiei-me ao ler a tua opinião, porque é tua e minha, e porque me trouxe de volta as sensações que este livro me deu.
    Sabes quando recomendas muito uma coisa, mas o tempo passa e lembras-te apenas que gostaste muito? Imagina que não comes gelado de morango há tanto tempo que nem te lembras do sabor, mas sabes que é bom. Só li este livro uma marcante e única vez, sei o quanto me marcou e por isso recomendo-o sempre e sempre mais. Passaram os anos e sem hesitar considero este um dos meus favoritos de sempre, mas agora lendo a tua review lembrei-me do que significa ler este livro pela primeira vez.
    Adorei ler-te, acho nunca conseguiria escrever sobre este livro.

    "It kills me, sometimes, how people die"

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    1. Agora seremos sempre os dois em conjunto a recomenda-lo. Com sorrisos, lágrimas e arrepios. Mesmo que chova :D

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  2. Já tenho este livro debaixo de olho há vários anos, e nunca calhou lê-lo. Parece-me que agora estou mais perto de o fazer :)

    O que me deixa bastante curioso é a Morte enquanto narradora, acho que sempre tive algum medo que de uma personagem não complexa não fosse bem capturada, mas pelo que dizes, fear no more!

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    1. Sem dúvida fear no more. Eu acho a visão do Zusak da Morte bastante interessante e como disse até me identifiquei com ela como narradora. Fico à espera da tua opinião (como quem diz, vai ler!).

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    2. Irei certamente fazê-lo sooner than later. Se bem que ter em conta conselhos de alguém que se identificou com a Morte enquanto narradora possa não ser aconselhado :p

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    3. Pois é, por essa perspectiva... Bem, podes sempre continuar a achar que a Morte como naradora é interessante e ter medo é de mim.

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    4. Damn. Agora vou ter que ler, mais que não seja por medo do que me vás fazer. Só tenha pena que a Morte aqui não deva ser como a do Neil Gaiman, nos Sandman :p

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    5. Não sei comparar porque ainda só li o princípio do Sandman. Mas já está cá por casa para ser lido eventualmente.

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