Como acontece ciclicamente comigo, mais uma vez passei uma temporada sem produzir conteúdo para o blog. Não que não tenha o que dizer ou vontade de escrever no blog, mas porque o tempo é pouco, a capacidade de concentração é esgotada pelo trabalho e porque há novos projectos a ocupar o que resta de ambos. É disso que decidi falar desta feita, porque este ano tem sido marcado pela minha participação num projecto que envolveu outro blog, um tumblr, uma webseries e uma convenção: a Clockwork Portugal - uma comunidade portuguesa dedicada ao steampunk em todas as suas vertentes.
Nesse sentido, parece-me útil começar por falar do steampunk, mas não me proponho fazer uma definição absoluta ou uma listagem exaustiva do que a ele pertence, somente focar-me no que eu procuro ou no que me promete o steampunk. Apesar de ser fã de ficção especulativa, tanto na literatura como no cinema ou nos jogos, desconhecia o steampunk como género até há bem pouco tempo. Há no entanto elementos tipicamente explorados nos trabalhos que nele se inserem que me interessam particularmente, nomeadamente o impacto na sociedade do desenvolvimento tecnológico e a alteração dos valores e costumes sociais desenvolvida a partir de um contexto extremo como é o do mundo da revolução industrial, do império britânico vitoriano, do declínio do escravagismo, da emancipação da mulher, não só pelo interesse histórico autocrítico e pela exploração do que é ou tem sido a humanidade, mas também pelo paralelismo com o que vivo e vejo na sociedade contemporânea. Aquilo que torna o steampunk reconhecidamente distinto dos restantes tipos de ficção especulativa não é, no entanto, nada disto, mas sim o facto da tecnologia explorada ser a do vapor e das engrenagens. É talvez por esta característica que o steampunk é hoje muito conhecido, associando-se a um autêntico movimento estético, grupos de cosplayers e roleplayers (aqui também a importante influência da roupa e costumes da Inglaterra vitoriana, claro), desenho, pintura, jogos e até um revivalismo das máquinas a vapor ou a corda, das engrenagens visíveis, dos metais não pintados. É importante referir que isto ultrapassa o aspecto estético, havendo vários criadores que trabalham novamente com esta tecnologia para obter gadgets que funcionantes num espirito do-it-yourself que tem estado muito associado ao movimento steampunk. Uma das características importantes da tecnologia da era do vapor, que lhe permite ocupar este lugar de destaque, é o facto de se localizar claramente, do ponto de vista dos leigos, na distinção entre a ciência e a magia. Aliás, tal como Arthur C. Clarke disse no Profiles of the Future, "any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic" e de facto nunca mais, desde ultrapassada a era do vapor, nós pudemos dizer que percebemos bem o funcionamento das máquinas das quais o nosso dia a dia e a nossa sociedade dependem. Talvez seja também por isso que nas obras steampunk se vê frequentemente um cruzamento entre a ficção científica e fantasia com feitiçaria, demónios ou monstros, normalmente em conflito uns com os outros. Sendo este um dos tais elementos que me estimula a procurar trabalhos deste género, o outro não menos importante é o facto de permitir explorar e questionar os costumes, a moral, o que é suposto ser ou fazer, o tradicional "tem que ser". O tal espírito autocrítico, de repensar a sociedade e a humanidade, em especial no que toca a estas temáticas, é algo que não só me interessa como me parece de especial utilidade na nossa evolução. Não chega saber a história, não chega aprender com o que aconteceu, é importante explorar bem os processos, o que levou a certo tipo de acontecimentos, a cada organização ou estratificação da sociedade, a certa definição do que está certo ou errado, do que é melhor ou pior, etc.. Só assim podemos ultrapassar os preconceitos estabelecidos que nos prendem e nos limitam o raciocínio e a acção sobre as pessoas e o mundo. A ficção especulativa de grande qualidade sempre teve esse papel, seja a ficção científica futurista ou espacial, seja a ficção histórica, seja a distópica, e neste contexto o steampunk tem um papel especial por se localizar temporalmente num momento da nossa história do qual conhecemos muito do que correu bem e mal, do que aconteceu antes, durante e depois, e acima de tudo, porque é muito claro o sistema de valores e moralidade vigente na altura o que torna mais fácil jogar com tudo isto ou tentar prever as consequências de alterar algum factor. Desde a igualdade de direitos entre os sexos e raças, da importância de cada indivíduo se submeter ao que a sociedade lhe força ou pelo contrário seguir o seu próprio caminho contra tudo o que é suposto, ao valor do e segurança no trabalho e à dependência crescente da sociedade de fontes de energia específicas e muito mais, são várias as situações que uma obra steampunk pode usar para nos dar food for thought. Claro que nenhuma obra trata tudo isto, e alguns livros supostamente steampunk fazem pouco mais que incluir um herói e um cientista maluco com máquinas a vapor, mas são estas possibilidades que me mantém interessado no género literário.
Explicado que está o meu gosto pelo steampunk como temática, percebe-se porque me senti aliciado a ajudar as minhas amigas com o seu projecto de criar uma comunidade steampunk portuguesa e preparar a participação do nosso país na EuroSteamCon, uma convenção internacional multicêntrica simultânea. Se inicialmente a minha oferta de ajuda foi algo genérica, acabei por me tornar parte integrante da equipa, junto com a Sofia Romualdo, a Joana Lima e o Rogério Ribeiro. A princípio a minha ideia era ajudar com o blog, escrever sobre livros, séries, jogos, notícias, mas de repente dei por mim a filmar uma webseries sobre obras steampunk (ver links abaixo) e a ficar responsável pelo tumblr onde partilhamos trabalhos que se integram no género. Como se isto não chegasse, ainda conseguimos decidir que a nossa participação na EuroSteamCon - ainda que a primeira e apesar da inexperiência da maior parte da equipa - seria uma convenção propriamente dita, com direito a dois dias de programação. Parece que isto chegaria para ocupar o que resta do nosso tempo livre (em especial considerando que a minha participação se cinge às horas livres após emprego oficial) e da nossa margem de manobra financeira (patrocínios em € = 0) mas na verdade não ficámos por aqui. Decidimos preparar para este momento um Almanaque Steampunk, para o qual aceitámos trabalhos submetidos por qualquer pessoa no final de Julho e primeira quinzena de Agosto. A escolha dos textos, preparação das nossas próprias participações, edição e afins tarefas ocuparam muito mais tempo e deram muito mais trabalho do que o que eu esperava (e lembrar que foi neste momento que, no contexto de fazer o trabalho de design para o almanaque, conseguimos mais uma colaboradora, a Joana Maltez), mas tenho que admitir que ter o livro na mão e depois lança-lo na convenção me deu uma sensação de realização pessoal raramente atingida noutras situações. A EuroSteamCon - Porto, que tivemos o prazer de realizar no Parnaso, foi um desses momentos: os convidados foram fenomenais, tivemos casa cheia nos dois dias e a interacção com as pessoas foi fantástica. Temos o hábito de falar do quanto "outras pessoas" conseguem fazer, de quantas coisas acontecem "noutro lugar" e de repente provámos a nós próprios que mesmo sem apoio monetário, mesmo a começar do nada, com esforço e dedicação algumas coisas são possíveis. Tenho que dizer claramente que não estou com isto a tentar glorificar o trabalho voluntário, aliás a minha experiência permite-me afirmar com facilidade que um projecto como este com pessoas remuneradas, com horas dedicadas e fundo de maneio correria ainda melhor, tanto para os organizadores como para os participantes. Mas olhando para o que conseguimos, para os projectos de que fiz parte ao longo deste ano, só posso sentir orgulho.
Para quem quiser saber mais sobre tudo isto:
- Tumblr (o meu novo trabalho a tempo inteiro :)
- Diários Steampunk (a tal webseries)
- Almanaque Steampunk (ler, ler!)
Por fim, há mais um motivo para eu não ter tempo para escrever no blog: agora tenho dois gatos, um que dorme em cima de mim quando estou ao computador ou então tenta trepar cortinas e outro que só se estiver a dormir é que para de por a minha casa em perigo de precisar de um "Extreme Makeover".
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