Comprei a Lusitânia no dia do seu lançamento, no Fórum Fantástico 2012, e li-a quase de uma assentada só. Trata-se, no fundo, duma pequena antologia de contos que não só se localizam geograficamente em Portugal como pretendem explorar a mitologia e cultura típicas do país. Na maioria dos casos os contos que a constituem contribuem para a sensação geral de que se está a ler sobre Portugal e os portugueses, se não os reais, pelo menos o país ou o povo que podem ou poderiam ser, dado se tratar de ficção especulativa.
Quanto à edição em geral há algumas coisas que merecem referência. A opção de colocar um padrão de fundo nas páginas de cada conto e que varia de um para outro, de certa forma individualizando cada história, parece-me uma ideia interessante, contribui até para a atmosfera que o conjunto cria, mas em dois casos - "Como Portugal foi salvo pelos Pastéis de Nata" e "A Cidade das Luzes" - o padrão foi demasiado forte ou confuso prejudicando a leitura do texto. Uma outra questão, a melhorar em posteriores edições ou números, foi a existência de erros ortográficos ou de edição, destacando aqui o conto "Como Portugal foi salvo pelos Pastéis de Nata", de todos o único cuja leitura foi afectada significativamente por este facto. Outra situação que me parece de relevo, da qual me parece que muitos trabalhos deste tipo sofrem, é a grande diferença de qualidade entre os vários textos. Não sei se isto se deve à falta de submissões de qualidade, se à vontade de cumprir uma certa deadline, se é somente uma questão de perspectiva e opinião pessoal, mas vejo isto em muitas antologias e revistas.
Quanto aos contos em si, vou tentar fazer-lhes justiça comentando-os individualmente.
"Sonhos Numa Noite de Natal" de Marcelina Leandro é uma história pequena e simples que traz consigo uma ideia muito interessante sobre o mundo dos sonhos e a previsão do futuro que sem dúvida merece ser explorada num texto maior e mais elaborado para atingir o seu potencial.
"Vinho Fino" de Inês Montenegro é na minha opinião o melhor conto desta Lusitânia. O conceito já sobejamente utilizado de alienígenas parasitas tem aqui uma visão refrescante, com uma escrita e um contexto diferentes dos da ficção científica "habitual" e que me deixaram com vontade de ler mais, tanto desta história como da sua autora.
"Como Portugal foi salvo pelos Pastéis de Nata" de Catarina Lima é para mim o pior dos contos incluídos o que não se deve somente aos erros acima referidos, mas essencialmente a uma história que parece forçada e mal desenvolvida. Se a ideia na qual se baseia é interessante: as bruxas a voar nas suas vassouras Portugal fora, uma Hogwarts / Brakebills no Chiado e até um mercado mágico no Martim Moniz, o enredo e a cadência da escrita não envolvem o leitor, pelo que acabei por dar comigo a ler alguns parágrafos "na diagonal".
"A Guerra do Fogo" por Nuno Almeida é um conto de especulação fantástica e histórica - como o próprio nome indica - em simultâneo, que está bastante bem imaginado e escrito e que cumpre à medida as intenções anunciadas da Lusitânia. Como única crítica negativa poderia apontar talvez o desenvolvimento lento da história relativamente ao enredo que traz.
"A Cidade das Luzes" deixou-me algo confuso. É um conto eminentemente visual, que nos pede para visualizar cada cena (perdoem-me o pleonasmo) e fazer um filme imaginado com o enredo que nos é entregue, algo que destaco como a sua melhor característica. Infelizmente o enredo nem sempre consegue manter o interesse, é uma distopia à qual falta mais contexto para se tornar credível e nos fazer esquecer a estranheza de imaginar luzes/cores sair do peito das pessoas em direcção aos céus. Por um lado, a ideia da investigação do tratamento do daltonismo em macacos, ainda que dê alguma explicação, aparentemente assumindo o texto como típica ficção científica, não consegue dar à história toda a verosimilhança que necessitaria. Por outro lado cansa esta comum associação da emoção ao peito, ao coração, aqui referida pela forma como as luzes saem do corpo, ainda por cima em direcção aos céus, que corresponde decerto mais a um problema pessoal do que a falta de qualidade do conto em si.
"A Passagem Uivante" de Pedro Cipriano é uma história breve mas arrepiante que lembra o leitor que por detrás das máquinas de guerra estão pessoas que muitas vezes levam pouco mais que ordens e instinto de sobrevivência, sem saber as reais motivações da sua liderança para arriscar as suas vidas e as dos inimigos naquele momento ou naquela situação. Isto é particularmente verdade dos cidadãos de países sujeitos a sistemas totalitários para os quais a única liberdade, ainda que relativa, pode ser, quando muito, a de escolher a hora da morte.
Lusitânia afigura-se assim um projecto que se distingue por se afirmar português não só na autoria, mas na temática em si, dando oportunidade a vários autores de mostrar o que valem na ficção especulativa curta e na exploração da nossa história, da nossa mitologia, da nossa cultura, no fundo, de parte do que nos dá uma identidade colectiva. Os meus parabéns pela iniciativa e pelo resultado final, fica aqui o meu desejo de que continue, que melhore sempre, e que para a próxima seja maior! O entusiasmo da equipa, em especial do Carlos Silva com quem falei mais proximamente, permite-me acreditar que assim será.
Em jeito de disclaimer devo informar que participei neste número através da Clockwork Portugal que teve a oportunidade de contribuir com um pequeno texto em jeito de referência ao nosso trabalho.
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