Tuesday, 16 December 2014

Novamente o concurso de acesso ao internato de especialidade

Paulo Macedo deflecte as queixas em relação ao concurso de acesso ao internato de especialidade vangloriando-se por se ter conseguido um número de vagas suficiente para todos os potenciais candidatos. Quanto a isto, permito-me adicionar alguns esclarecimentos às declarações do senhor ministro.

1 - o facto de se criar oferta de vagas não justifica que, com um ano para preparar o concurso, se revele o mapa de vagas dezoito horas antes do seu início e duas semanas antes do primeiro dia de trabalho no novo local;

2 - a obtenção de um número suficiente de vagas não tem nem pode ter qualquer relação com a má organização do concurso que limita de várias formas as condições de uma escolha ponderada e informada de uma "vaga" que na verdade é tanto um local de trabalho dos próximos quatro a seis anos como a determinação da profissão propriamente dita;

 2.1 - não é aceitável fazer-se uma escolha destas quando se descobre a disponibilidade de especialidades e de locais de formação no dia anterior e se tem que ter em conta uma mudança de vida desta magnitude;

 2.2 - não é aceitável pedir a pessoas deslocadas em trabalho em 2014 - o internato de ano comum - que escolham sem ter tempo de visitar as localidades e unidades de formação ou de se informar sobre as mesmas adequadamente, bem como de procurar casa e fazer mudanças em menos de 15 dias em que potencialmente estão ocupados a trabalhar;

3 - a dificuldade em conseguir especialidade para todos os candidatos vem de um problema há muito conhecido, o aumento das vagas nos cursos de medicina acima das necessidades do país bem como das capacidades formativas de um SNS atacado por cortes;

4 - o aumento da capacidade formativa ocorre essencialmente à custa do aumento de vagas para Medicina Geral e Familiar (olhando apenas aos últimos três concursos gerais, as vagas de MGF aumentaram de 355 em 2012 para 433 em 2013 e agora 498) o que me leva a um novo conjunto de questões ou esclarecimentos:

 4.1 - foi necessário mudar o plano de formação do internato, segundo o que me informam através da redução dos estágios obrigatórios em áreas tão relevantes como a Pediatria e a Psiquiatria (aguardo fonte oficial em relação a isto, há apenas uma referência vaga aqui), para que os hospitais de referência pudessem acomodar a quantidade de internos que lhes impingem, ou seja, foi preciso uma perda de formação para um aumento de formandos;

 4.2 - não se compreende porque se pode fazer isto na MGF e não se faz o mesmo em outras especialidades cujas insuficiências se reconhecem nas listas de espera para consultas e procedimentos hospitalares e que continuam a empurrar portugueses para a medicina privada por não quererem ou aguentarem esperar tanto (afinal compreende-se);

 4.3 - o que ocorre na MGF relaciona-se com o popular objectivo de conseguir médico de família para todos os portugueses, que se pretende atingir à custa da criação de excesso de oferta que empurrará os que não tiverem alternativa para os locais menos desejados - o que mantém o local menos desejado, o profissional insatisfeito e, pelo meio, contribui para a emigração, como é fácil de prever - sem ter que resolver os verdadeiros problemas que tornam as várias colocações menos desejáveis (para os médicos e para a generalidade dos profissionais que possam ainda fazer escolhas);


Temos portanto um Ministro da Saúde que se regozija com falácia enquanto desvia a atenção dos múltiplos problemas que criou ou agravou, desrespeitando não só os internos candidatos à especialidade como todos os portugueses que por eles serão tratados. Seja pelos objectivos perniciosos em relação ao SNS, seja pelos danos ao processo de formação médica, seja pela falta de consideração e sensibilidade, a única solução é mesmo a substituição do ministro, do ministério e do governo.

A cereja no topo do bolo é que bastou um dia para que a tutela percebesse que o calendário de escolhas "à pressão" não seria plausível. Infelizmente há outros problemas que já não são reversíveis.

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