Tuesday, 7 October 2014

Estabilizadores e catalisadores

As primárias do maior partido da oposição têm sido vistas como um catalisador da queda de um governo que vive dias de brutal incompetência e desagregação. Os movimentos de convergência à esquerda têm activado o debate político das alternativas a esta governação e parecem mostrar que há quem esteja preparado para tomar as rédeas a um país que precisa de mudança de rumo. O que impede o desfecho fatídico deste conto de horror é o estabilizador da república. Cavaco, cujo cargo tem a função de se assegurar do bom funcionamento institucional do estado democrático republicano, confundiu-se - numa perda de consciência bem mais grave que as que costumam criar grande celeuma nos telejornais - e desde a eleição deste governo que pensa que o adequado funcionamento das instituições corresponde à estabilidade que para ele quer dizer manter o governo até à data prevista para o final da legislatura. Se esta perda de consciência foi involuntária, pelo cansaço de demasiados anos a ser um dos piores políticos no activo e com cargos de poder neste país, ou voluntária pela proximidade ideológica ou clubista com Coelho ou ainda pelo esquecimento que ser institucionalista - como lhe chamam frequentemente - não equivale a ser politicamente inerte, não sei.

Infelizmente para o país, o poder estabilizador de Cavaco Silva tem sido suficiente para que os catalisadores não resultem, mas não extravasa para outras questões, onde o ímpeto destrutivo parece imparável. O Ministro da Saúde tem médicos e enfermeiros, sindicatos e ordens contra ele desde que lá chegou e continua voluntariamente surdo às suas exigências e reivindicações. A Ministra da Justiça optou por acreditar em quem lhe disse que o Citius ia funcionar às mil maravilhas e ignorar outros avisos, talvez, lá está, pelo ímpeto reformista que o governo tanto afirma, e ainda não conseguiu nem resolver a situação caótica que gerou nem assumir as suas responsabilidades. O Portas anda lá sem cargo a viver à nossa custa depois de ter anunciado a sua demissão irrevogável. A Ministra das Finanças vive na sombra da continuidade de um Gaspar que se demitiu por incapacidade de lidar com a realidade. O Ministro do Emprego - que acumula a solidariedade por ter a pasta de uma das maiores calamidades do país, o desemprego, e não porque se lhe conheça alguma capacidade de actuar na dita - mantém a inutilidade que se lhe adivinhava quanto à segurança social. O Secretário de Estado da Cultura apostou as fichas num dos projectos de lei mais ridículos que se conhece a este governo e basta observar a sua atitude arrogante no Prós-e-Contras para se perceber que mal sabe o que é responder perante o povo. Por agora fico-me por estes exemplos, porque o que motivou toda esta conversa foi a dita implosão que Nuno Crato terá finalmente conseguido originar no seu Ministério. Porque Crato não implodiu como apregoava querer, em tempos, mas explodiu o Ministério da Educação e Ciência. Os destroços têm atingido todo o sistema educativo, mas nos últimos meses parece ter-se detonado a maior bomba, e os nacos do MEC que começaram por destruir o que resta da investigação científica em Portugal atingem agora crianças, pais e professores por todo o país.

De Coelho, entre a sua desonestidade no caso dos pagamentos da Tecnoforma/ONG e os tempos em que cortar subsídios de natal e férias era um disparate, não se pode esperar nada. Deste Cavaco - longe vão os tempos em que até se inventava para por em causa primeiros-ministros - nada se espera. A possibilidade está noutro agente catalisador, no que resta, que é a rua. Só um povo que se oponha activa e constantemente a todo este desgoverno e que reconheça noutros a possibilidade de o substituir e fazer melhor pode desestabilizar a situação para além da força do Presidente inerte e dar a estocada final que tanto ansiamos. Porque a alternativa é permitir que isto, tudo isto, continue por longos meses.

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