"Em 2012, estavam em atividade um total de 353 USF, concentrando-se o maior número de USF na região de saúde de Norte (186), na região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo (109), seguida da região de saúde do Centro (36) e, por fim, as regiões de saúde do Alentejo (13) e Algarve (9). A distribuição das USF é observável sobretudo ao longo do litoral, deixando o interior do país com uma percentagem de cerca de 10,20% (36)."
Aqui está uma avaliação do decurso da reforma dos cuidados de saúde primários que é muito relevante, porque se relaciona com a falta de médicos no interior do país. Nota-se também aqui essa diferença. Estes números têm que ser vistos à luz da menos quantidade de médicos de família no interior, mas também lembrando que os projectos piloto começaram no litoral, o que explica um efeito mais directo nas equipas de saúde geograficamente mais próximas. Não se pode no entanto ignorar um possível efeito de escolha. Estas equipas são de formação opcional, e os médicos, enfermeiros e secretários clínicos organizam-se para formar unidades no litoral muito mais do que no interior. Urge mudar isto, mas não só no caso específico da saúde, terá que ser um plano muito mais abrangente.
"Nesse universo de USF, 161 eram do modelo B, isto é, 45%. Em 2012 e 2013, foi fixado o número máximo de USF modelo A que podem transitar para modelo B, distribuído pela área de jurisdição territorial de cada uma das ARS, sem que os critérios que suportam esse número estejam enunciados nos respetivos despachos conjuntos do Ministro de Estado e das Finanças e do Ministro da Saúde."
A justificação, embora aí só implícita, foi o cabimento orçamental. Neste caso sem qualquer sentido, dado já termos visto que as USF modelo B poupam no imediato mais do que se gasta a mais com os seus profissionais. O que o governo fez foi obrigar as equipas a ficar em modelo A porque, como modelo de transição que é, as pessoas já estão a trabalhar na expectativa de iniciar o modelo B, cumprindo já os indicadores e controlando os gastos. É, no fundo, uma exploração dos profissionais de saúde, uma violação das expectativas que não se pode admitir a um governo democrático.
"Confirmou-se a existência de um número elevado de pedidos, efetuados pelos médicos das unidades funcionais prestadoras de cuidados de saúde primários, pendentes nos hospitais na situação de “pedidos em triagem”. Tal implica que a avaliação e marcação de consulta pelos respetivos hospitais de referência ocorrem, em regra, para além do tempo máximo fixado (três dias úteis e, atualmente, cinco dias úteis)."
Isto poderia ser um ponto a rever numa reforma dos cuidados hospitalares séria, onde se pudesse oferecer-lhes trabalho e orçamento de acordo com objectivos e indicadores de saúde e de resultados. De resto, devo dizer que na minha experiência, com o CHSJ, o tempo de espera para resposta e para marcação de consulta tem vindo a ser consideravelmente diminuído, de acordo com o que o TdC demonstra de seguida:
"De 2011 para 2012, registou-se uma redução do tempo de avaliação do pedido e marcação da consulta, na ARS do Norte de 25,46% (-18,7 dias), na ARSLVT de 26,15% ( - 10,3 dias) e na ARS do Algarve 1,88% (-2,7 dias). Nas ARS do Centro e do Alentejo, houve um agravamento do tempo de avaliação do pedido e marcação de consulta, respetivamente, em 15,11% (+4,3 dias) e 4,97% (+16,3 dias)."
5.7 - Objectivos e Metas em curso e perspectivas de sustentabilidade
"A falta de avaliação (quantitativa) sobre os impactos da reforma dos cuidados primários impede que se conheçam e se auditem os custos, as poupanças e os ganhos de saúde para a população, resultantes da atividade das unidades funcionais de cuidados primários, quer, ainda, os impactos ao nível dos cuidados hospitalares.
Tendo em vista a imprescindível sustentabilidade do SNS e a previsível necessidade de continuar a reduzir as transferências orçamentais para o SNS, importará salientar que ainda não foram realizados plenamente todos os objetivos propostos pela reforma para os cuidados de saúde primários, as metas pré-estabelecidas no memorando de entendimento (MoU) ou, ainda, as medidas já traçadas pelo grupo de trabalho para a reforma Hospitalar (2011)."
Aqui há dois pontos que não posso deixar de salientar. Primeiro, como já expliquei, a avaliação quantitativa dos ganhos em saúde para a população de um modelo que modifica a vigilância de doenças crónicas só pode ser realizada a longo prazo, há resultados que só serão visíveis dentro de muitos anos. Segundo, é algo inacreditável que o TdC utilize no seu relatório a "imprescindível sustentabilidade do SNS", uma ideia que não é de todo técnica ou óbvia. O SNS, como serviço oferecido pelo estado, não tem nada que ser sustentável em si mesmo, aliás, por natureza não é. O SNS é uma forma de dirigir o dinheiro dos impostos e o português, para a qualidade e cobertura que oferece, não é de todo dos mais caros a comparar custos per capita.
"Note-se que a transferência de “falsas” urgências hospitalares para consultas nas unidades funcionais de cuidados primários permitiria, por hipótese, ter obtido uma poupança potencial na ARSLVT, em 2011, na ordem dos € 104.174.738."
Isto sim é uma mudança muito necessária. No entanto, os iluminados que nos governam esquecem-se constantemente de actuar no principal factor que justifica isto, a vontade das pessoas. Sim, aumentar a disponibilidade dos médicos de família ajuda muito. Mas quando simultaneamente se obriga os médicos de família a vigiar 1900 em vez de 1550 utentes, talvez estejamos a ser contraproducentes, não? As taxas moderadores poderiam ajudar, mas à custa de diminuir tanto as idas não justificadas à urgência como as justificadas. A forma de alterar isto é melhorar a literacia em saúde das pessoas. Quando as pessoas perceberem que o melhor que podem fazer pela sua saúde é não ir à urgência por qualquer motivo, que não perdem qualquer tipo de cuidado que possa ser necessário, que a porta de entrada do sistema de saúde ser o centro de saúde não é só uma poupança do governo austeritário mas uma forma de melhorar os cuidados para todos, só aí diminuiremos consideravelmente este problema.
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