Monday 25 April 2016

Elantris, Brandon Sanderson

Sou oficialmente fã do Brandon Sanderson. Depois de ler Elantris - o livro que vários amigos e opiniões na internet dizem ser o menos bom - e gostar, tenho que o admitir. Concordo que de facto o livro não é tão bom como os da saga Mistborn, seja pela menor experiência do autor na altura, seja porque trabalhou menos bem certos temas ou eventos no enredo. Apesar disso, gostei bastante da leitura, da apresentação do mundo, da lenta revelação dos seus segredos, do que ficou por explicar, de algumas personagens, da transformação das personagens secundárias e, como já me habituou, da forma como Sanderson opõe certas formas de viver em sociedade e põe as próprias personagens a questionar-se sem respostas absolutas.


Elantris - que dá o nome ao livro - era a cidade onde viviam as pessoas que, aleatoriamente, sofriam uma transformação e tinham acesso a magia poderosa, vivendo e sendo até venerados como deuses na terra, até que há dez anos um evento que mudou a face da terra os fez perder o poder, transformando todos os elantrians e os que foram sendo aleatoriamente transformados em seres que lembram zombies, coração parado, não se curam, não morrem, mas continuam a pensar e a sentir. É uma distopia literal. O principal enredo do livro, ou pelo menos o mais interessante, centra-se neste local e em Raoden, o príncipe do reino de Arelon que se torna elantrian e é lá enfiado - como a sociedade tantas vezes faz com aqueles de quem não gosta, de quem se envergonha ou tem medo - e no seu eterno optimismo na face do manifesto desespero que comanda Elantris. Raoden é provavelmente a personagem de que menos gostei, embora seja um bom motor para a exploração de algumas questões muito relevantes (e de gostar de livros e ler para resolver problemas!).

Fora de Elantris, a noiva deste príncipe - Sarene, princesa de outro reino - julga-se viúva e fica em Arelon, sendo o veículo e a força motriz para a evolução do sistema político e da sociedade do reino, tanto na luta feminista - infelizmente por vezes algo cliché - como na luta contra o despotismo, a escravatura e valorização política do dinheiro. A forma como lida com o rei, com nobres e com as mulheres que se deixam minimizar mantém Sarene uma personagem sempre interessante de seguir.

O terceiro eixo da história é o grande inimigo, que nunca falha nos livros de fantasia. Aqui o "mal" é representado por um império centrado numa religião totalmente hierarquizada, na qual cada pessoa deve absoluta obediência ao seu superior directo e assim sucessivamente, até ao imperador que é o único que fala com deus e só a ele obedece. No enredo conhecemos este inimigo - cuja intenção é controlar todo o mundo, eliminando quaisquer outras crenças ou resquícios delas - através de um dos seus agentes, Hrathen. Vendo-se enviado a Arelon para converter o reino dentro de um prazo apertado, para que o seu imperador não "tenha" que o conquistar à força com as mortes que isso implica, a relação de Hrathen com a sua religião torna-o na mais interessante das personagens principais, se bem que os seus capítulos são frequentemente menos agradáveis de ler pela quantidade de informação que o autor aproveita para fornecer nos seus monólogos reflexivos.

Este livro tem dois pontos fortes: os movimentos de grandes forças e as mudanças globais das comunidades - algo que me parece que Sanderson consegue sempre fazer bem - e a evolução de algumas personagens secundárias.
Não vou fazer spoilers, não direi nada do que acontece ao longo da história. Desta introdução já se percebe que ao mesmo tempo temos uma força conquistadora, luta entre diferentes visões da sociedade e um local lendário a precisar amargamente de obras de reabilitação. Ao longo do enredo pensa-se a monarquia, pensa-se a democracia, pensa-se o poder do dinheiro, pensa-se a tradição e o progresso, pensa-se a comunidade e o indivíduo, pensa-se a motivação e a depressão, pensa-se a ideia feita, o preconceito, a perfeição aparente, a imperfeição constante.

A questão da evolução das personagens é sempre relevante, nomeadamente porque muitas vezes é a acompanhar a mudança individual, a aprendizagem, os erros, o crescimento da personagem principal que o leitor sente ganhar com a história. Em Elantris, Raoden e Sarene pouca ou nenhuma evolução têm, aquilo que os motiva e o que os preocupa é o mesmo no princípio e no fim. As suas forças e as suas fraquezas mantém-se ao longo de todo o livro. Pode ser uma fraqueza na história, mas não tem que ser. Na verdade, eles são os pilares à volta do qual tudo o resto acontece. Hrathen tem uma evolução interessantíssima. As personagens secundárias, tocadas de uma forma ou outra pelos principais, vão-se transformando e são do que mais gostei em Elantris. Na nossa vida parecemos muitas vezes personagens principais, mas a verdade é que não passamos de mais um indivíduo no mundo e a nossa relação com a esmagadora maioria das coisas é secundária, tal como acontece com estas personagens. A sua importância está nos seus actos nos momentos em que lhes é possível serem relevantes e não no facto de todo um enredo se centrar neles por qualquer destino ou porque todos os olhos recaem neles ou porque por sorte estão constantemente no local certo com a arma certa para a luta necessária.


Volto a dizer, Elantris não está ao nível de outros livros de Sanderson. Há momentos forçados no enredo, há falta de subtileza, há eventos que uma leitura atenta mostra desnecessários, há clichés de que não gostei - detesto deus ex machina predestinados -, há capítulos em que há mais informação despejada no leitor do que progressão da história e a prosa de livros mais recentes é mais polida. Mas os pontos positivos, particularmente para quem, como eu, gosta de ver uma história que lida com comunidades inteiras, com religiões, tradições e políticas, com a humanidade, ao mesmo tempo que as pequenas coisas se mostram importantes para cada personagem, facilmente suplantam os pontos negativos. E sim, há coisas que ficam por explicar, como tantas vezes já li em opiniões sobre este livro. Quanto a isso só posso dizer deal with it. A vida é assim, há coisas que nunca percebemos e por vezes é mais interessante ficarmos a lidar com a pergunta do que levarmos com a resposta de bandeja. De resto, há espaço para sequelas - se bem que não são obrigatórias, o livro vale por si só -, portanto, é questão de aguardar.

Recomendo Elantris para fãs de fantasia épica e principalmente para os fãs de Sanderson, é interessante ver como começou e ler mais uma entrada do seu universo partilhado.


“To live is to have worries and uncertainties. Keep them inside, and they will destroy you for certain - leaving behind a person so callused that emotion can find no root in his heart.”

Review in English here.

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