Não tenho por hábito escrever respostas directas a coisas destas, em especial quando não me são dirigidas, mas às vezes não consigo evitar. Um Sr. Pedro Bidarra publicou há dias um texto no Dinheiro Vivo que foi de uma falta de senso que me recorda alguns esforços dos Henriques no Expresso.
Em referência a uma crónica do Rui Tavares no Público sobre a "mesmocracia", começa por dizer que lhe parece que a inovação e a criatividade estão há muito na clandestinidade, no que toca a Portugal. Pergunto-me onde foi buscar esta ideia. Um país que há meio século era um buraco e conseguiu não só escapar da ditadura como aproximar-se de países que tinham décadas de desenvolvimento de vantagem, unir-se a eles na união europeia, competir com eles a nível de alguns produtos, a nível científico, a nível cultural. Um país onde até a nível de legislação se inova, sendo dos pioneiros na abordagem de coisas como a redução de riscos na toxicodependência ou na igualdade de género. Bem, fica por explicar.
Segue para uma citação mal amanhada para nos informar que somos um país com uma enorme quantidade de imbecis. "Parece-me mesmo que, para se chegar à elite, é precisa uma razoável dose de imbecilidade, ou seja, de pensamento convencional, de saber fazer o que sempre se fez, de falar como sempre se falou, de pensar o que sempre se pensou." Então que elites serão estas, tão mais imbecis que as dos restantes países? E justificação para esta classificação, nem vê-la, a não ser que o próprio texto seja amostra que chegue.
Calma que o Pedro Bidarra afinal dá exemplos. Passando ao lado dos empresários e capitalistas, identifica as direcções das TV como imbecis por exemplo por terem todos programas de comentário desportivo semelhantes. "Diz ele que todos a fazer o mesmo à espera de resultados diferentes. Imbecilidade, lá está." Alguém informe o senhor que se enganou. Eles não estão à espera de resultados diferentes. Eles estão todos, aliás, a trabalhar para o mesmo, numa guerra de audiências em que o que não faz o programa perde. Vão mudando as pessoas, o moderador, o formato, o cenário, mas se não houver o grupo de representantes dos "três grandes" a discutir à bruta a maioria muda de canal para o programa do costume, não será?
"A cultura, por exemplo, está cheia de imbecis muito eruditos: gente que sabe tudo o que se fez e por isso insiste em fazer, premiar e aplaudir o que se faz como sempre se fez." Não sendo eu conhecedor que chegue da cultura portuguesa para poder avalia-la como merece, basta-me lembrar esta excelência que temos tido prémios literários a autores estreantes e desempregados, temos vozes novas originais como o Gonçalo M. Tavares ou o Afonso Cruz a fazer sucesso e a serem reconhecidos pelos parceiros da cultura, ao mesmo tempo que somos reconhecidos lá fora por gente como o Saramago. A nossa actividade cultural tem muito que andar? Tem. Agora diminui-la a um conjunto de imbecis que se repetem a si próprios é sinal de pura ignorância.
"E estão no povo que, desde há 40 anos, alternadamente vota PS e PSD e espera resultados diferentes." Sinto que foi aqui, quase no fim, que a mensagem do texto se revelou. Mas será que os portugueses são mesmo imbecis? Será só uma imbecilidade que os impele a votar ciclicamente nos mesmos dois partidos? Ou serão outras questões, por demais complexas para serem cuspidas num texto escrito em cima do joelho à sexta-feira?
Afinal não. Afinal voltamos ao tema do título e é aqui que está o fulcro da questão: o Bidarra quer gozar com o Rui Tavares. No final do texto o Pedro Bidarra informa-nos que o Rui Tavares perdeu a virgindade, porque, tal qual adolescente, descobriu a vida real, descobriu que os portugueses políticos e mediáticos (que antes eram imbecis) não ligam nada às europeias que, segundo o próprio, são aquilo que o Rui Tavares e o LIVRE, pelo qual é candidato, precisam para existir. Não percebeu, quiçá, que o problema é muito maior que o Rui Tavares não ser eleito ou o LIVRE ter que esperar pelo próximo acto eleitoral para ganhar notoriedade ou implantação no eleitorado. O problema aqui, goste-se ou não das ideias do Rui Tavares, é que nisto ele tem mesmo razão: a falta de atenção às europeias é que é a verdadeira imbecilidade. Porque os políticos e os media sabem muito bem a importância do que se vai decidir agora para todos nós, só que têm neste momento outros interesses e não estão minimamente preocupados em fazer "serviço público". Complementa este gozo com uma critica ao LIVRE. Pergunta o Bidarra se o dito partido não será mais do mesmo. Mas depois diz que o LIVRE "ainda não lhe chegou".
"Talvez porque os seus gestos e propostas sejam o mesmo de sempre. Talvez porque falem para os mesmos de sempre. Ou talvez porque a sua maneira de comunicar seja a mesma de sempre: convencional e imbecil – no sentido einsteiniano, claro." Ora, notam-se aqui duas coisas que finalmente são de facto importantes em toda esta imbecilidade. A primeira é que este senhor acaba de demonstrar que não sabe mesmo nada do LIVRE, se acha que o partido que organizou as primeiras primárias abertas de Portugal e que permite o acesso a processos de decisão política a apoiantes não membros não está a fazer nada de diferente. A segunda é que este senhor demonstra aqui mais uma imbecilidade, esta sim, que talvez se relacione com tudo o resto: a passividade. Se calhar é por este senhor (e tantos outros em Portugal) ser tão passivo que desconhece o que se passa de inovador no nosso país, na nossa cultura e até mesmo no LIVRE. Enquanto continuarmos com esta mania de que as coisas têm que chegar a nós, mesmo aquelas que são do nosso interesse (como é o caso dos agentes políticos), não vamos sair da "mesmocracia".
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