Depois de ter lido e gostado bastante do seu conto Cidade Líquida na colecção do DN e dado ter lido algumas opiniões positivas sobre os seus livros (por exemplo no
Metáfora de Refúgio), decidi prosseguir na minha leitura da obra de João Tordo. Escolhi o Anatomia dos Mártires porque gostei do tema que se propõe abordar, muito embora não soubesse ao certo o que esperar dele.
Este livro segue a vida de um jornalista em busca do seu "furo", de um artigo que comprove a sua qualidade de trabalho perante o seu editor (e, aparentemente, perante o próprio). Inicialmente é-lhe proposto entrevistar o biógrafo de um homem que, após ter cometido suicídio, parece ter-se tornado numa espécie mártir religioso. No seu artigo, por entre um tom jocoso em que fala do entrevistado, decide estabelecer um paralelismo entre esta história e a de Catarina Eufémia, ela própria uma suposta mártir usada como símbolo da luta do Partido Comunista contra a ditadura fascista. São as várias reacções a este artigo (do editor, de leitores, do entrevistado) que fazem avançar o enredo por várias linhas, culminando numa obsessão do jornalista pela história "verdadeira" de Catarina Eufémia. A busca por esta verdade e o seu paralelismo com a análise do que faz um mártir constituem uma segunda parte do romance.
A prosa de Tordo é em geral fluída, sem exagero de embelezamento mas com utilização suficiente e útil de figuras de estilo. Infelizmente é o assunto que a prejudica aqui. O autor começa por escrever uma história razoavelmente interessante, embora nunca excepcionalmente estimulante, dedicada à luta interior do jornalista e o seu paralelismo com os eventos, mas perde-se quando decide entrar pelo mito de Catarina Eufémia dentro. Se a primeira parte tinha alguns momentos mortos, a segunda parte é quase até ao final um tédio do ponto de vista da ficção. Nota-se por demais a extensa pesquisa que o autor fez em relação a esta figura e sente-se a falta de uma edição mais "intensa" nesta parte. Há ainda uma terceira e última parte - "Os Apoderados" - que funde o final do enredo com um tom de epílogo, num estilo mais surreal, simultaneamente interessante mas estranho em contraposição com o restante livro.
Assim, este foi um livro que não tendo correspondido às expectativas criadas pela leitura do conto que referi, manteve o meu interesse em ler mais obras do autor, em especial pela exploração da vida, mente e personalidade do jornalista, a sua relação com o pai e com o amigo, por alguns paralelismos inteligentes com as figuras mártires e pela terceira parte.
De acordo com o Jorge, autor do Metáfora de Refúgio, este será o menos interessante dos romances de João Tordo. Sendo assim, após recorrer às opiniões lá publicadas - e de acordo com as sinopses - decidi ler de seguida o Livro dos Homens sem Luz ou o Hotel Memória (provavelmente o primeiro que encontrar em promoção decente).